The Electrical Life of Louis Wain é a história de um sujeito peculiar, contada daquele modo excentricamente britânico de cinema. A produção do Amazon Studios é um filme que surpreende, porque inicialmente pode-se até abordá-lo com um pouco de cansaço. Afinal, vários dos elementos que ele apresenta são familiares. E de fato, o filme não foge muito de uma cinebiografia típica, mas vai conquistando aos poucos, a ponto de no fim despertar uma emoção genuína.

O Louis Wain do título é alguém que, se vivesse hoje, provavelmente seria diagnosticado com autismo, Asperger ou algum grau de esquizofrenia. Como viveu na Inglaterra do finzinho do século XIX, era um sujeito curioso que, aos poucos, se perdeu na própria mente. Interpretado por Benedict Cumberbatch, Wain é excêntrico logo de cara: um ilustrador de muito talento, fanático por boxe (!), que cuida da mãe e de suas numerosas irmãs, e está sempre falando sobre eletricidade. Com o tempo, ele conhece o grande amor da vida, a governanta Emily Richardson (Claire Foy), outra figura adoravelmente esquisitinha.

E esse relacionamento provoca mudanças na vida do protagonista e desperta seu amor por gatos, a quem passa a retratar em desenhos e ilustrações que se tornaram famosos em todo o mundo e mudaram a percepção de muita gente sobre os felinos.

CUMBERBATCH E SEUS PERSONAGENS EXCÊNTRICOS

O diretor Will Sharpe (“Flowers”) e o roteirista Simon Stephenson contam essa história tentando colocar o público o máximo possível sob o ponto de vista de Louis Wain. E conseguem: o estado psicológico do protagonista se reflete nos estranhos efeitos de luz, quase psicodélicos, mais empregados à medida em que a arte dele se torna mais abstrata; na fotografia que deixa a forte luz do sol entrar nos ambientes no momento em que Wain e Emily se aproximam; e na trilha sonora divertida e curiosa de Arthur Sharpe, irmão do diretor, que incorpora orquestra, instrumentos de sopro e até um theremin, que desperta aquele sentimento de “outro mundo” por ter sido tão usado em filmes antigos de ficção-científica.

O formato de tela quadrado ajuda na ambientação e na imersão no período histórico. Bem, Will Sharpe tem transtorno bipolar, então o retrato do distúrbio psíquico do protagonista acaba sendo bem construído, com sensibilidade e intimidade.

Claro, é provavelmente a 17ª. vez em que Cumberbatch interpreta um sujeito tão estranho quanto genial e, no início, a sensação de repetição é inegável. Mas também não se pode negar que ele é muito bom nesse tipo de papel e a interação com Foy é terna e bastante agradável de assistir. The Electrical Life of Louis Wain acaba construindo um certo encanto, seja com toques de humor ou com o belíssimo corte de um momento entre o casal principal para uma das pinturas de paisagem de Wain, além das participações especiais que adicionam à experiência – Olivia Colman (“A Favorita”) é a narradora, e podemos ver pontas do cineasta/ator Taika Waititi (Jojo Rabbit (2019)) e do cantor Nick Cave.

AGRADÁVEL AINDA QUE SUPERFICIAL

Pena que The Electrical Life of Louis Wain nem faça questão de fugir dos velhos clichês dos filmes biográficos. A narrativa está sempre pulando alguns punhados de anos, o que a deixa bem no estilo de lista da Wikipedia, costurando os melhores momentos da vida do biografado de modo preguiçoso. O grande trauma do protagonista é abordado de forma superficial e nem explicado direito. Os conflitos ficam todos na superfície e esse tradicionalismo na narrativa impede o filme de alçar voos maiores.

Mesmo assim, a química entre Foy e Cumberbatch eleva o filme e o fato dele adequar sua sensibilidade ao estado emocional dessa curiosa figura que foi esse artista faz de The Electrical Life of Louis Wain uma obra agradável, ainda que não marcante ou tão memorável. No fim das contas, o lado excêntrico do filme serve para disfarçar o fato de que a história de Louis Wain na verdade foi bem triste, com poucos momentos de felicidade. Faz parte da magia do cinema, fazer o espectador se sentir bem apesar da história na tela ser até sombria.