O filme Thuë pihi kuuwi – Uma Mulher Pensando, traz a perspectiva de uma Yanomami observando o processo de preparo da Yãkoana – um pó que faz parte do ritual de iniciação e das ações de vida de um xamã. Esse pó é considerado alimento dos espíritos. Ao longo do curta, vemos uma série de imagens filmadas a partir do olhar de Roseane Yariana, comunicadora Yanomami e também diretora do filme, que assina a direção ao lado de Edmar Tokorino e Aida Harika, também comunicadores Yanomami.

Yãkoana, para os Yanomami, é uma bebida (pó), preparada pelo xamã mais velho e que ao ser bebida (inalada) nos rituais de iniciação de um xamã mais novo, permite que ele veja os xapiris (espíritos). Portanto, é uma bebida forte, uma espécie de alucinógeno que precisa ser processada e inserida ao jovem aos poucos, com cuidado. O filme é narrado por uma mulher Yanomami, apresentando suas indagações relacionadas ao preparo da Yãkoana. 

O que chamou minha atenção no filme foi a direção de fotografia, cuja execução é pensada a partir de um olhar de quem vive na comunidade e em sintonia com as práticas e rituais da sua cultura, ou seja, um olhar de quem é de dentro. Essa mudança de foco, dando poder (porque fotografia também é sobre poder) a quem segura a câmera, faz toda diferença na apreensão do filme. A obra, de pouco mais de nove minutos, não tenta explicar, num tom didático, para pessoas não indígenas, o modo de preparo da Yãkoana, seus cuidados e seus efeitos. Isso já é algo posto no filme. 

Acredito que foi uma maneira totalmente acertada de seus idealizadores e é nesse ponto que reside minha observação sobre Thuë pihi kuuwi.  Se fosse uma direção de fotografia ou narração feitas a partir de pessoas não indígenas, ou se houvesse a tentativa de construir uma obra com um tom mais informativo/descritivo sobre a Yãkoana, esse olhar poderia vir carregado com estereótipos, mesmo que inconscientemente. Fotografia é poder e ela demarca uma posição.

Quando corpos indígenas assumem esse lugar de poder, estamos possibilitando que seus próprios representantes conduzam suas narrativas, a partir de um olhar  interno, com seus próprios códigos e singularidades. Quando encontramos espaços em festivais de cinema que possam oxigenar o debate sobre as narrativas indígenas no audiovisual brasileiro, vislumbramos, de fato, um espaço que pensa olhaRES para o cinema, que historicamente sempre veio carregado de estereótipos e marcas violentas, sobretudo quando falamos sobre cinema na Amazônia.

Da mesma forma que realizadores da Região Norte conclamam um lugar de tomada para si sobre as narrativas cinematográficas que giram em torno do cinema nortista, penso que deveria existir a presença cada vez mais forte de realizadores indígenas nesses espaços, povoando nosso imaginário com repertórios que demarcam modos de produção específicos, com materialidades e características próprias. Aí sim, poderíamos vislumbrar um cinema que abrace olhares diversos para o cinema da região norte, desde as suas temáticas, à maneira como elas são contadas.