A indústria dos games tem uma força comparável a Hollywood. Ela lucra bilhões de dólares por ano e tem criadores com status de gênio e ícones de alcance global. Shigeru Miyamoto e suas obras, como Mario e Zelda, que o digam.

Inúmeros filmes viraram jogos. Por outro lado, poucos jogos viraram filmes. Destes, pouquíssimos são assistíveis. Para um filme de qualidade, como Street Fighter Legacy, há inúmeros do nível de Super Mario Brothers. Além disso, a cultura gamer ainda não foi muito retratada no cinema. Dentre os que a mostraram, podemos citar os dois Tron, o cult King of Kong: A Fistful of Quarters e o clássico da Sessão da Tarde O Gênio do Videogame.

Detona Ralph, da Disney, ajuda a diminuir esta lacuna. A animação em 3D homenageia os videogames e ícones seus como Sonic e PacMan.

Certamente, os gamers irão gostar quando Ryu e Diablo aparecerem na tela. Além disso, a referência a Donkey Kong no fliperama em que o protagonista é vilão pode alegrar aos mais saudosistas.

Infelizmente, essas qualidades coexistem com um roteiro que, apesar de bem amarrado, apresenta falhas.

Ralph é o vilão do jogo para fliperama Conserta Felix. Seu trabalho é destruir o prédio construído onde, um dia, foi sua floresta. Ralph faz a mesma coisa há trinta anos, mas o que o cansa é ser um vilão. Enquanto todos amam Conserta Felix, ele é o odiado, o desprezado, da história. Isso lhe causa crises, tratadas em um grupo de Vilões Anônimos. Figuras como Zangief, Bowser e Dr. Robotnik tentam persuadi-lo que é bom ser mau. Não convencido disso, ele decide procurar uma bela medalha de herói. Com isso, quer provar seu valor e, assim, ser aceito. A partir daí, Ralph entra em outros games, iniciando a aventura e se autodescobrindo.

Detona Ralph tem um roteiro bem amarrado. Ele se propõe a mostrar uma história de aceitação do que se é, e atinge um resultado. Todas as pontas do seu enredo acabam se resolvendo cedo ou tarde. Também é interessante notar como as pistas da história são colocadas em doses homeopáticas. Aqui, o maior destaque fica por conta do crescimento dos vilões da história fora do seu game natural.

As cenas de ação de Detona Ralph também se destacam. O diretor, Rich Moore, conseguiu transpor o ritmo frenético dos games para o filme. Esta característica pode agradar – e muito – a gamers. As cenas de tiro exploram movimentos e cortes na câmera que ressaltam a tensão e se aproveitam da visão em primeira pessoa, típica de games de tiro como Halo, outro homenageado pela animação. Detona Ralph também faz referências indiretas a outros filmes. Por exemplo, a parte da corrida notoriamente homenageia  Mario Kart, mas nela há uma analogia visual e conceitual à corrida de Pod Racers de Star Wars – Episódio 1. Isso porque a personagem Vanellope von Schweetz precisa ganhar a corrida para conseguir sua liberdade, assim como Anakin no filme de George Lucas. Visualmente, marcam estas duas corridas planos abertos e corredores ficando no meio do caminho.

Falando em Vanellope, ela rouba a cena com seu carisma, mesmo com a dublagem sofrível. Quando interage com Ralph, faz ele mostrar seu lado simpático. Apesar da diferença de tamanho entre os dois, escancarada pela fotografia, a relação entre os dois é de igualdade ou, por vezes, de dominância dela.

Tal como em Toy Story, os personagens de Detona Ralph ganham autonomia quando os humanos não os veem. Isso, mais o fato de serem animações em 3D voltadas para o público infantil, são as semelhanças mais significativas entre os dois. Infelizmente, há um abismo que os separa maior do que as características que os une. A cinessérie Toy Story conta histórias destinadas originalmente ao público infantil, mas que tocam também os adultos graças às inúmeras camadas dos seus temas e narrativas. Talvez só os japoneses do Studio Ghibli atinjam o feito com a mesma competência. Muito por causa disso, os filmes sobre os bonecos, e os da Pixar de modo geral, viraram clássicos.

Como tais, são fontes de inspiração e parâmetros de comparação. Assim, ao confrontarmos eles com Detona Ralph, vemos como o grandão leva uma bela duma surra.

O filme da Disney é “redondo”, e isso acaba se transformando na sua maior aresta. Como dito lá em cima, ele consegue empolgar gamers com a sua homenagem à mídia e conta uma história sobre aceitação. E não passa disso. Nele, não há abertura para outras interpretações por causa do seu unidimensionalismo. A mensagem que passa é clara, direta, fechada e, o pior, moralista. É inegável que Detona Ralph tem potencial para agradar à meninada por causa dos games e das suas qualidades. Mas, por ser em essência mais do mesmo e diante do que a Pixar já fez, será que isso é o bastante?

Como Detona Ralph, há trocentos outros filmes. Por isso, já dá até de prever seu futuro: haverá continuações que não dizem nada de novo, feitas para as empresas poderem vender milhares de produtos baseados na franquia, como lancheiras e mochilas. Daí você argumenta que a Pixar lançou Toy Story 3 para, dentre outros motivos, lucrar com a venda de bonecos do Woody, Buzz Lightyear e companhia. Como resposta, concordaria com você e diria também que Carros 2 foi feito basicamente para abastecer essa teia de negócios. Sinceramente, não vejo problema nisso. O mínimo que peço é força, novidade e capacidade de impressionar nos enredos.

Apesar disso, Detona Ralph consegue ser o melhor filme sobre a cultura gamer lançado no mainstream. A animação faz um tributo laudatório a essa mídia, que foi alvo de descrédito e de subvalorização por boa parte dos seus mais de cinquenta anos de história. Seu valor aumenta diante das muitas bombas que têm a mesma proposta. Infelizmente, esse ponto positivo não compensa a falta de inventividade e o moralismo do seu roteiro.

Certamente haverá continuações de Detona Ralph. Vamos torcer para que elas não sejam puros e simples caça-níqueis e que nos impressionem com enredos de muitas camadas.

Não, não acredito que posso soltar hadoukens por aí…

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P.S.: o curta Paperman é exibido antes de Detona Ralph. Contando só com som ambiente, movimentos de corpo e cores da escala de cinza, a animação conta com graça os encontros e desencontros de um casal numa metrópole (muito provavelmente Nova York) na metade do século passado.