Esquadrão Suicida é um filme de aparências. Os personagens são definidos como vilões – e caso o espectador não entenda isso de cara, essa frase “somos vilões” será repetida umas 30 vezes durante a projeção. Mas não os vemos fazendo nada de muito errado. É um filme que quer ser anárquico e violento, mas não vemos uma gota de sangue – mesmo quando tiros na cabeça aparecem – e a anarquia é minada porque o roteiro segue a cartilha do filme de super-herói à risca. É um filme que parece muito divertido e acredita ser, mas na verdade é apenas lugar-comum, previsível e enfadonho. E por ser um projeto com os personagens da DC Comics e seu braço cinematográfico, a Warner Bros., é um filme que se julga muito diferente do estilo do rival Marvel Studios – os profissionais da WB, vez ou outra, se referem de modo jocoso e desrespeitoso à Marvel, e nisso se inclui o diretor de Esquadrão, David Ayer.

Mas não é diferente. É claramente a tentativa da Warner/DC de ter o seu Guardiões da Galáxia (2014), só que filmado com metade das luzes do estúdio apagadas e sem nenhum sinal de carisma, humanidade ou coerência narrativa.

Porém, verdade seja dita, o filme até começa divertido. Os primeiros minutos nos apresentam aos únicos personagens que serão remotamente explorados ao longo da história. O Pistoleiro (Will Smith) nunca erra o alvo, mas está mofando na prisão depois de ser capturado pelo Batman (Ben Affleck, batendo o ponto como um bom funcionário). E a Arlequina (Margot Robbie) também está presa: a outrora psicóloga se apaixonou pelo pior dos seus pacientes, ninguém menos que o Coringa (Jared Leto), e virou psicótica. Depois, vemos Amanda Waller (Viola Davis) apresentando sua proposta de reunir figuras como essa num esquadrão e enviá-los em missões perigosas. Uma medida que parece sensata, num mundo pós-desfecho de Batman vs. Superman: A Origem da Justiça (2016). Mas só parece: o brilhante roteiro fará com que Waller acabe desencadeando o próprio mal que deseja combater. Não era melhor não ter feito nada?

Harley Quinn/Arlequina em Esquadrão Suicida

Mesmo com algumas cenas divertidas nesse início, não demora muito e uma sensação estranha se instaura. Por que a montagem é tão rápida, a ponto de não conseguirmos nem ler o “texto” que nos apresenta aos personagens? Por que o filme está fazendo uso desse expediente típico dos videogames? Por que o personagem de Smith é apresentado ao som de “House of the Rising Sun”, do The Animals, uma canção sobre um prostíbulo? É só porque “soa legal”? Por que esse Coringa… é gangsta? É o personagem do James Franco em Spring Breakers (2013) com o cabelo pintado de verde?

Esses questionamentos são sinais de que, daí para frente, o filme só vai descer a ladeira. Waller manda o Pistoleiro, a Arlequina e mais outros pirados para enfrentar uma situação de emergência em Midway City, algo envolvendo a vilã Magia (Cara Delevigne), que o filme nem se preocupa em explicar direito. Mas tudo bem, afinal ela só vai criar mais um redemoinho com uma luz no meio da cidade, um clichê visual da maioria dos filmes desse tipo, e falar como Gozer de Os Caça-Fantasmas (1984) – chega uma hora em que os roteiristas de Esquadrão aparentemente desistem e se contentam em imitar o terceiro ato do clássico oitentista. E a dancinha dela? É para lá de bizarra.

Ayer faz o que pode para manter tudo rápido e “divertido”, mas só desperta lembranças do seu pavoroso Sabotagem (2014), outro filme sobre um esquadrão de malucos que, visto em retrospecto, é o pai deste Esquadrão Suicida, e nem as ocasionais referencias a Os Doze Condenados (1967) conseguem disfarçar isso. Seu roteiro se contenta em deixar os personagens combatendo criaturas virtuais, ou em mostrá-los ao som de alguma canção pop – totalmente diferente de Guardiões, não é? – até a inevitável redenção dos “vilões”. Afinal, o personagem El Diablo (Jay Hernandez), o único que apresenta algo parecido com um arco dramático, perto do fim começa a chamar de “família” as pessoas que ele conheceu apenas poucas horas antes.

Coringa/Jared Leto em Esquadrão Suicida

Ah, e Ayer não se esquece de dar o máximo possível de closes no traseiro de Robbie e de incluir o Coringa por alguma razão. Leto é pavoroso como o arqui-inimigo do Batman: atua com a boca – sério, ele passa o filme todo de boca aberta e fazendo barulhinhos com ela – e em alguns momentos, imita claramente a cadência de voz do saudoso Heath Ledger. É o primeiro Coringa fora das HQs que não inspira medo, risadas, repulsa… enfim, nada. Já Robbie, uma boa atriz, dá vida a uma personagem mais irritante que engraçada. O constante foco nela, que também faz questão de afirmar sua loucura ao espectador a cada 15 minutos, expõe a tentativa forçada do filme e do estúdio em transformá-la em ícone a todo o custo. Nada contra, mas a abordagem do filme é dúbia e confusa em relação às suas personagens femininas: se por um lado parece celebrar uma mulher no poder na figura de Davis, por outro não se esquece de explorar o apelo sexual de Robbie e também de Delevigne.

Mas a culpa não é inteiramente do diretor. É visível que Esquadrão Suicida é produto de decisões tomadas por comitê, o da Warner Bros. Só isso para explicar a montagem problemática, com flashbacks supérfluos e que às vezes não explicam nada – como um envolvendo a família do personagem El Diablo, o qual precisa ser complementado pelo diálogo – além da ausência de violência, as inserções do Coringa, que não tem função na história, e o foco na Arlequina, a ponto de transformar quase todos os outros em figurantes. E acima de tudo, no desespero em fazer do filme “a coisa mais divertida e legal” de todos os tempos. Quando você precisa lembrar o espectador a todo o tempo que ele está vendo um filme divertido, é sinal de que a diversão passou longe.

Will Smith como Pistoleiro em Esquadrão Suicida

Até as sequências de ação são filmadas sem inspiração e muitas das piadas não provocam nem sorrisos amarelos. O que se salva então? Bem, apenas Will Smith, Viola Davis e Joel Kinnaman como Rick Flag escapam com alguma dignidade, basicamente interpretando a si mesmos para dar um pouco de vida às criações anêmicas do roteiro. Esquadrão Suicida é um filme com ótimos e interessantes personagens, mas em busca de uma história, e que se contenta em jogar essas figuras na ideia de “parque de diversões” da Warner, muito parecido com outros playgrounds que já vimos antes. Os personagens atiram em criaturas genéricas, tudo é previsível e, quando defrontados com a necessidade de “salvar o mundo” – todo filme precisa desse tipo de risco grandioso? – adivinhe o que eles vão fazer? Esquadrão não tem nem a convicção de fazer seus vilões serem vilões de verdade, desperdiçando o próprio diferencial do projeto. Eles apenas fazem pose de maus.

Mas em um aspecto Esquadrão não é só aparência: ele realmente é ainda pior que os contestados O Homem de Aço (2013) e Batman vs. Superman. O Universo DC no cinema cada vez mais parece estar prestes a ser consumido por um buraco negro. Ou, melhor dizendo numa referência nerd, por uma onda de anti-matéria. Estaremos vendo a “Crise nos Infinitos Filmes” da DC?

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