Pássaros são o coro grego que acompanha à distância o desmoronamento da vida de um empresário em “Bird Atlas”, novo filme de Olmo Omerzu. A co-produção República Tcheca-Eslovênia-Eslováquia, que teve sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary deste ano, é uma dramédia com uma boa dose de humor ácido que voa alto como seus alados figurantes.
Depois de uma breve internação hospitalar por conta de um colapso, Ivo (Miroslav Donutil) vê sua empresa ter milhões desviados pela contadora Marie (Alena Mihulová). Não bastasse isso, a família dele tenta mitigar sua autoridade na briga pelo comando da companhia. Dá para piorar? Sim: todos os contatos telefônicos de Ivo com várias mulheres são expostos aos filhos. A sequência de eventos dá início a tentativas cada vez mais desesperadas de recolocar tudo nos trilhos, com graves consequências para todos os envolvidos.
Omerzu, assistido pelas imagens do diretor de fotografia Lukás Milota e da música da compositora Monika Midriaková, filma a história como um thriller corporativo, com a câmera posicionada à distância a se aproximar das personagens, como a encurralá-las. Porém, o roteiro escrito por ele juntamente com Petr Pýcha, não perde a oportunidade de subverter essa estrutura com um humor cáustico que eventualmente transforma o longa em uma grande farsa.
FOCO NOS EFEITOS DOS DESVIOS
Ivo é o clássico homem tradicional, defensor da família, do trabalho e dos bons costumes, que tem amantes, paga propina e sempre deixa os filhos em segundo (ou terceiro) plano. Confrontado suas atitudes com as da sua contadora (e ex-amante), que acaba cometendo um crime em prol de algo que acredita ser justo, “Bird Atlas” faz um grande questionamento moral sobre o que motiva essas pessoas – e expõe o absurdo que rege suas vidas internas.
O dinheiro desviado por Marie desencadeia a tragicômica odisséia de Ivo, mas a produção o trata como um certo “MacGuffin”: “Bird Atlas” está claramente mais preocupado com o que as personagens fazem diante do desvio do que em dar respostas claras sobre esse sumiço. A subtrama de Ivo e as várias mulheres, que ele salva sob o nome de pássaros em seu celular – o “atlas de pássaros” do título – também é mencionada brevemente, com o diretor mais interessado em ver como essa descoberta afeta a autopercepção do empresário do que outra coisa.
No entanto, a imagem de um “atlas de pássaros” – um mosaico que produz uma informação apenas para desaparecer em uma revoada – é acertada para o filme de Omerzu. A todo momento, “Bird Atlas” se reconfigura e desafia a audiência a se perguntar exatamente o que está assistindo.
Seus pássaros, longe dos algozes de Hitchcock, assistem impassíveis – e trocam inestimável sabedoria – enquanto seu protagonista, cego pela própria soberba, afunda em autocomiseração. Na sua crítica mordaz, “Bird Atlas” é um filme sobre o que acontece quando os frutos de uma vida inteira voam céu afora.