Depois de uma sequência formidável – e bastante discutida – de sucessos, o diretor David O. Russell acaba de escorregar feio em seu mais novo trabalho, Joy: O Nome do Sucesso, terceiro filhote do time formado por ele, Jennifer Lawrence, Bradley Cooper e Robert De Niro, que fez maravilhas em O Lado Bom da Vida (2012) e nem tanto em Trapaça (2014).

Sobretudo a partir de O Vencedor (2010), Russell vem se firmando como um storyteller por excelência, um tipo de diretor muito valorizado pela Hollywood da era clássica, de filmes que primam pelo prazer da narrativa e o entretenimento do público. Para mim, pelo menos, nada de errado com isso: Frank Capra, Sidney Lumet e Clint Eastwood também fazem o mesmo, e ninguém acha que filmes como A Felicidade Não Se Compra (1946), Um Dia de Cão (1975) e Menina de Ouro (2004) são supervalorizados, para não falar nas várias outras pequenas maravilhas que cada um desses nomes produziu ao longo da carreira.

Mas, mesmo admirando Russell, tenho de admitir que, nesse filme, o cineasta forçou a mão. A ânsia de deixar uma marca autoral no trabalho – essa velha quimera que continua seduzindo gente talentosa, mas insatisfeita por estar fazendo apenas bons filmes (nada tão démodé) – pesa sobre toda a produção, reduzindo a boa história (real) da inventora Joy Mangano a um filme “pra cima” (em português, feel-good) estilizado e artificial.

Pela narração açucarada, à O Segredo, da avó de Joy (Diane Ladd, de Coração Selvagem [1990]), a protagonista (Lawrence) é uma menina cheia de sonhos e muito criativa, mas sujeita aos abusos de uma família medíocre e mesquinha. A mãe (Virginia Madsen) passa os dias quase sem sair da cama, vendo novelas pela TV; o pai (Robert De Niro) é um homem difícil, temperamental, que não esconde a preferência pela filha mais velha, Peggy (Elisabeth Röhm), embora apele a Joy quando as coisas vão mal; aquela, por sua vez, despreza a serenidade e o evidente talento da meio-irmã; por fim, há o ex-marido encostado, Tony (Édgar Ramírez, ótimo), cantor de salsa que vive às turras com o pai de Joy e pouco contribui em casa, restando a esta a tarefa de cuidar dos filhos e, mais ainda, de todos os adultos ao redor.

Em meio ao desespero dessa vida comezinha, que Russell registra com sensibilidade, quando lembra de contar a história – o primeiro ato é atrapalhado por irritantes inserções das novelas que a mãe de Joy assiste –, esta tem o estalo redentor: criar um esfregão retrátil e removível, que absorve mais sujeira e é mais fácil de limpar que os demais. Para isso, porém, ela terá um desafio duríssimo à frente: enfrentar a própria família, com seu triste arsenal de humilhações, desencorajamento e desconfiança. E, só depois disso, as lojas, as empresas e os falsificadores.

Como a família de Joy, David O. Russell é o grande obstáculo em seu próprio filme. O diretor americano aposta num exagero de ênfase que é quase inacreditável para o narrador sutil e engenhoso de O Vencedor e O Lado Bom da Vida, mas que já se esboçava em Trapaça. Quase tudo soa equivocado: a ideia de narrar a história como um conto de princesas; os diálogos crivados de clichês de auto-ajuda (roteiro do próprio Russell, por sinal); os personagens secundários, todos estereótipos de alguma coisa: latinos, italianos, losers americanos; as tais novelas, que deveriam ser engraçadas, mas atrasam muito a primeira parte da história; e outros descuidos da narrativa, como o desfecho bobo da trama do falsificador. Uma soma triste, que tira muito da graça e do impacto que a história de Joy já poderia provocar por si. As melhores cenas – quase todas envolvendo Lawrence e Cooper juntos são muito boas – são um triste gosto do filme que Joy poderia ter sido, e do cineasta que O. Russell, quando quer, sabe ser.

O que não é equivocado é o elenco. Mesmo quando os personagens oferecem pouco, as atrizes e atores de Joy mais do que cumprem seu papel. Cooper mostra mais uma vez o ator sólido que é, e num registro que sai dos homens obsessivos que ele andou vivendo nos últimos tempos. De Niro, como em seus outros trabalhos com o diretor, aposta nas sutilezas, construindo uma versão mais sombria e desagradável do velho rabugento da série Entrando numa Fria; e Lawrence, bem, está no auge, entregando uma performance memorável atrás da outra. Com todos os defeitos do filme, mais a canseira e antipatia que tanta adulação acabam provocando, seria injusto dizer que o trabalho dela, aqui, é outra coisa que não excelente.

O que, no fim das contas, é o motivo para se dar uma chance a Joy. E simpatizar, quando o filme permite, com a história dessa personagem exemplar e comovente.