“La Flor”, de Mariano Llinás, é um filme que desafia o público e, principalmente, os críticos. Você pode notar isso procurando textos sobre ele na internet (spoiler: não são muitos). Até o momento, vê-lo é como fazer parte de um clube. Na minha sessão, eu pude me familiarizar com os meus colegas espectadores e, durantes os intervalos, trocávamos olhares cúmplices dizendo: “estamos aqui, é isto”!

Pois bem, o que é isto?

“La Flor” é uma obra monumental nascida da parceria de dois grupos de arte argentino: a produtora cinematográfica El Pampero Cine, da qual o diretor faz parte, e a trupe teatral Piel de Lava, composta pelas atrizes Elisa Carricajo, Valeria Correa, Pilar Gamboa e Laura Paredes. O filme é composto de seis histórias – quatro com início, mas sem final, uma curta e completa, e uma última, da qual só vemos o fim.


Ilustração da estrutura que dá nome ao projeto

As três primeiras são bastante claras em termos narrativos:

  • Filme de terror B em que uma múmia lança uma maldição sobre um centro de pesquisa arqueológica;
  • Mistura musical e suspense ao trazer uma cantora buscando se reunir com o cantor que catapultou sua carreira paralelo a história de uma assistente pessoal envolvida com um culto em busca da eterna juventude.
  • Por fim, a minha favorita é um um filme de espionagem, em que dois grupos de agentes secretas entram em rota de colisão, rumo a um grande tiroteio épico, enquanto o flashback disseca o passado delas até aquele momento.

A partir daí, o real ponto de “La Flor” começa a aparecer, com histórias cada vez mais difusas e cada vez mais metalinguísticas. A quarta trama conta com versões ficcionalizadas de Mariano Llinás e as atrizes brigando em cena e evoluindo para uma reinterpretação completa do que vimos anteriormente, com o quarteto sendo bruxas e o diretor, uma versão contemporânea do clássico personagem “Casanova”.

A quinta nem conta com as artistas, sendo uma refilmagem de um curta francês antigo. Concluindo o filme, a sexta história retorna a elas para uma sequência emocionante retratando mulheres fugindo de um período em cativeiro.

Com todas essas tramas, o interesse dos realizadores é esticar ao máximo a ideia que temos de narrativa. Ao usar convenções conhecidas de filmes, temos a impressão de que “La Flor” brinca de maneira leve com as formas ficcionais que usamos. O próprio diretor aparece em cena diversas vezes, com sorriso de canto de boca, explicando o que está fazendo.

Tendo dito tudo isto, deixo o parágrafo final reservado para o fato de que o filme tem 14 HORAS de duração! Ele é exibido em três partes em festivais e só o capítulo do qual mais gostei dura mais de cinco horas.

Deixei isso para o final justamente porque a discussão do filme foca muito nesse aspecto e a produção é muito mais do que isso. No entanto, é essa dimensão que torna a experiência de “La Flor” um exercício e um ato de fé – fé na capacidade humana de constantemente se inventar e se reinventar à revelia de identidades, do tempo e do espaço.