A Rússia atual governada por Vladimir Putin vive uma crise de identidade: se por um lado o país tenta se consolidar novamente como potência mundial pela força tecnológica e econômica capaz de sediar um evento como a Copa do Mundo de 2018, a nação ainda convive com a truculência e autoritarismo de um Estado forte em que as liberdades individuais correm risco, em especial os homossexuais. O diretor Andrey Zvyagintsev capta essa dualidade no corajoso drama “Leviatã”.

A trama acompanha a história de Kolia (Aleksey Serebryakov), dono de uma oficina mecânica que corre o risco de perder a casa onde mora após o interesse do governo local em tomar a área para construção de um grande empreendimento. Para ajudá-lo a manter o terreno, o advogado e amigo vindo de Moscou, Dmitri (Vladimir Vdovichenkov), reúne provas capazes de incriminar o prefeito da cidade e começa a fazer chantagem. A situação, entretanto, piora e coloca todos em risco, destruindo a família de Kolia aos poucos.

Zvyagintsev utiliza como inspiração para “Leviatã” a história bíblica de Jó e o livro clássico de mesmo nome escrito por Thomas Hobbes com o intuito de ilustrar um Estado autoritário e incapaz de ouvir a própria população. O poder judiciário inicia esse sistema corrupto com juízes apressados e sem preocupação em analisar os casos, enquanto o prefeito simboliza a violência trazida por subornos, repressão policial e o aparato governamental para fazer impor a máxima da “lei do mais forte”. A Igreja Ortodoxa alimenta esse cenário com palavras para acalmar a revolta e colocar tudo na conta do destino. Tudo isso sob os olhares condescendentes de Putin em uma magistral cena dentro do gabinete do líder da cidade.

A família acaba sendo o único abrigo possível para uma sociedade prisioneira do próprio governo. Kolia, entretanto, não tem essa sorte pela desestruturação desse núcleo. Os primeiros sinais começam cedo com os atritos constantes do filho dele com a esposa, sendo ampliados com a chegada de Dmitri. A falta de perspectiva, a dureza da vida levada e a infelicidade resultam em consequências desastrosas para todos. Isso fica ainda mais tocante pela atuação segura de Serebryakov e Lesya Kudryashova.

“Leviatã” entrega a visão escondida da propagada pelo governo de Putin e mostra como a população russa está à mercê de um monstro incapaz de lutar contra sem sair ileso.

NOTA: 7,5