Tom Cruise me incomoda.

O astro de 51 anos se tornou sinônimo de sucesso de Hollywood e está longe de precisar se unir à turma dos “Mercenários” para conseguir ganhar fôlego na carreira. Todos os anos, há um filme (quase sempre ficção científica ou ação) do ator sendo lançado com boas bilheterias ao redor do mundo, enquanto a crítica especializada avalia estas produções como regulares ou boas. Somente entre  junho de 2012 e junho de 2013, ele faturou R$ 77 milhões, segundo informações da revista Forbes. Tom Cruise continua sendo um símbolo sexual e traz consigo o carisma tão peculiar à sua imagem.

Em uma era em que as celebridades são cada vez mais instantâneas, a força do galã se mantém inabalável, o que nem mesmo pequenos tropeços afetam essa trajetória. Tudo isso pode ser visto como mundo perfeito: dinheiro, fama, sucesso profissional, belas mulheres, viagens ao redor do mundo, beleza, simpatia, aceitação de grande parte das pessoas. Não há como negar que Tom Cruise construiu todo esse capital financeiro e social a partir de muito esforço e dedicação ao longo dos mais de 30 anos de carreira.

Invejoso! Mal Amado! O medíocre falando de alguém que tem sucesso! (sem problemas, caro leitor, sem problemas).

tom cruise colateral

Meu incômodo com Tom Cruise surge dessa atual fase iniciada em 2004. Nesse ano, o astro lançou a última grande atuação da carreira: o suspense “Colateral”, em que interpreta um assassino de aluguel com cabelos grisalhos e elegante ao falar. A obra comandada por Michael Mann foi o último vislumbre de um sujeito capaz de entregar mais que apenas um produto de entretenimento do verão americano, ao se reinventar e trazer uma nova faceta desconhecida do público. O ator encarna o primeiro vilão da carreira e torna Vincent um personagem intrigante pela inteligência nos diálogos pontuados por uma calma ameaçadora.

Nenhuma outra atuação nos últimos anos (talvez algo mais próximo a isso seja o divertido empresário de “Trovão Tropical”) chegou perto do que é feito em “Colateral”. Para ser justo, o ator também nunca pareceu estar no piloto automático nos filmes que protagonizou. Em “Guerra dos Mundos”, por exemplo, percebe-se a tentativa de criar um homem complexo em tumultuada relação com os filhos. Em “Rock of Ages”, Tom Cruise faz graça da própria imagem de galã ao ficar sem camisa e rebolar como Axl Rose no palco do musical.

Há esforço, claro! Infelizmente, os filmes protagonizados por ele nunca estiveram à altura da importância do ator, sendo meros passatempos para serem esquecidos com o imperdoável tempo. Isso se reflete, inclusive, na inexperiência e pouca relevância dos diretores das obras em que Tom Cruise se metia: Ben Stiller (“Trovão Tropical”), James Mangold (“Encontro Explosivo”), Christopher McQuarrie (“Jack Reacher”), Joseph Kosinski (“Oblivion”) e Doug Liman (o recente “No Limite do Amanhã”).

Quando pôde trabalhar com gente de qualidade, os cineastas decepcionaram, vide Bryan Singer e Robert Redford com os sonolentos, respectivamente, “Operação Valquíria” e “Leões e Cordeiros”. Nem mesmo Steven Spielberg, com quem o astro havia feito o excelente “Minority Report”, ajudou muito com o bobo “Guerra dos Mundos”. Para quem pôde vê-lo atuar tão bem ao lado de gente como Martin Scorsese, Oliver Stone, Neil Jordan, Cameron Crowe e Stanley Kubrick não há como negar que o fato pode ter influenciado nessa queda de relevância de seus filmes.

O vídeo acima mostra uma montagem divertida de todas as corridas feitas pelos personagens de Tom Cruise no cinema. O astro nunca poupou esforços para vender a imagem de jovial: cuidado físico impecável, cabelos sempre esvoaçantes (mesmo curtos) e o sorriso fatal. Acima de tudo, é uma estrela de cinema das antigas, capaz de imprimir uma marca na memória coletiva por gerações perpetuada na série “Missão Impossível”.

Ethan Hunt não possui o mesmo charme de James Bond, muito menos a brutalidade de Jason Bourne. Soa até meio antiquado nesses tempos de agentes secretos mais sérios adotados pelo cinema. Carregado pelo bom mocismo (incapaz de mostrar uma gota de sangue) e pela disposição de Tom Cruise em encarar as filmagens das cenas perigosas, o filme baseado na série dos anos 60 se mantém como o caça-níqueis da carreira do astro. Foram quatro longas até hoje – todos competentes, mas nada excepcionais. Se antes cineastas renomados como Brian De Palma e John Woo estavam nos projetos, os dois últimos “M.I” estiveram sob o comando de diretores com menor rodagem como J.J. Abrams (na época, saído de “Lost”) e Brad Bird (primeiro filme da carreira em live-action).

Cruise não viveu o herói incansável apenas em “Missão Impossível”. Filmes de ação e ficção científica predominam em sua filmografia nos últimos anos. “Jack Reacher”, “Oblivion” e “No Limite do Amanhã” são os três mais recentes com a velha fórmula em formatos diferentes. Parafraseando os Titãs, o público irá considerá-los “o melhor filme de todos os tempos da última semana”. Ao sair de cartaz depois de faturar uns milhõezinhos, entretanto, serão poucos lembrados.

tom cruise o último samurai

Se fosse um ator ruim, incapaz de fazer uma atuação decente (Vin Diesel ou Jason Stanham) ou estivesse em grave crise financeira (Nicolas Cage) era compreensível se meter nesse tipo de projeto. Dinheiro não falta. Talento, Tom Cruise já provou ter inúmeras vezes: “Nascido em 4 de Julho”, “Rain Man”, “A Firma”, “Entrevista com o Vampiro”, “Jerry Maguire”. Ao lado do diretor Paul Thomas Anderson, se superou ao interpretar um guru sexual em “Magnólia”. A palestra em que aparece pela primeira vez no longa pode ser considerada como o ponto alto da carreira dramática.

O resultado disso é a ausência do ator nas indicações ao Oscar desde a edição de 2000 justamente por “Magnólia”. Sim, a festa que glorifica as maiores estrelas de Hollywood deixa de fora há 14 anos um de seus principais nomes. Nesse meio tempo, gente como Leonardo DiCaprio e Brad Pitt – vistos nos anos 90 como apenas rostos bonitos – se elevaram a um ponto de torná-los referências do cinema americano, além do amadurecimento de George Clooney, Matthew McConaughey e Christian Bale. Isso para não falar da nova geração de talentos como Michael Fassbender (“Shame”), Ryan Gosling (“Drive”) e Bradley Cooper (“O Lado Bom da Vida”). Todos esses citados apostam em filmes mais sérios há algum tempo sem deixar de lado os eventuais blockbusters.

Sem perceber, Tom Cruise corre o risco vivido por Harrison Ford: perder a relevância construída ao longo de toda uma carreira. O eterno Indiana Jones pouco consegue espaço no cinema atual. O declínio teve muita relação com a série de filmes despretensiosos protagonizados por Ford nos anos 90 e começo dos 2000: “Força Aérea Um”, “Seis Dias, Sete Noites”, “Destinos Cruzados”,  “K19”, “Divisão de Homicídios”. O término da jovialidade marcou a chegada da irrelevância, pois os grandes roteiros não apareceram. Resta agora para o antigo astro a nova versão de “Star Wars”.

tom cruise missão impossível

Tomara que Tom Cruise não precise de um “Missão Impossível” a tiracolo no futuro.