“Os Dez Mandamentos” serve para ser uma obra de marketing da Rede Record e Igreja Universal do Reino de Deus. Para a emissora paulistana, o filme é uma boa forma de divulgar suas produções, manter o público e atrair mais espectadores para futuros projetos. Quanto à segunda, o sucesso do longa acaba servindo como demonstração de força do público evangélico e esbanja a capacidade de articulação e mobilização da entidade.
Somente questões econômicas e publicitárias explicam a razão da novela chegar às salas de exibição em todo Brasil. Pelo ponto de vista artístico, “Os Dez Mandamentos” é um erro crasso em grande parte dos quesitos cinematográficos. Muito disso se deve pelas características próprias de uma telenovela não se adaptarem ao cinema e que, quando escancaradas em uma tela grande, acabam por se tornar, muitas vezes, risíveis.
McLuhan explica
A dificuldade para se transpor uma novela para os cinemas já começa pelo tempo de duração: “Os Dez Mandamentos” teve 176 capítulos com duração aproximada entre 40 a 70 minutos. Fazendo as contas, somando tudo, no mínimo, são 7.040 minutos. Resumir tudo em 120 minutos é uma tarefa árdua e conseguir dar coesão é uma missão de dimensões épicas. Para disfarçar a colcha de retalhos, o diretor Alexandre Avancini (especializado apenas em novelas, com sucessos no currículo como “Quatro por Quatro”, “Por Amor” e “Presença de Anita”) opta, claro, por um narrador capaz de amarrar pontas soltas e um estilo de edição frenética com a história evoluindo rapidamente, o que não torna o filme totalmente cansativo.
Tamanha pressa, porém, mata o desenvolvimento dos personagens, a relação entre eles e deixa o destino de alguns pelo meio do caminho. A força motriz de qualquer filme sobre o tema é a amizade e, a posterior, rivalidade entre Ramsés (Sérgio Marone) e Moisés (Guilherme Winter), porém, na versão tupiniquim, mal vemos isso. Não há tempo suficiente para tanto, pois, o resumão está focado apenas no líder dos hebreus e esquece o rei egípcio. Nem Ridley Scott fez isso no fraco “Êxodus”.
Outras figuras importantes, como Anrão, pai de Moisés (Paulo Gorgulho), simplesmente somem da edição final e você fica sem saber o que aconteceu. Essas falhas impedem “Os Dez Mandamentos” de ganhar uma narrativa própria para o cinema, virando uma bagunça completa em determinados momentos escondidas por uma montagem acelerada. A sensação é que o filme se confia no que o espectador sabe seja da novela ou da própria Bíblia.
A interpretação dos atores é outro ponto sofrível. A versão para os cinemas de “Os Dez Mandamentos” escancara as diferenças de atuações pedidas para os dois meios. Se nas novelas, o ator, muitas vezes, acaba adotando um estilo mais exagerado para prender o espectador na cena devido à grande quantidade de fatores de dispersão, no cinema, a situação é diferente, pois não há pontos de distração (teoricamente, claro, nesses tempos de Whatsapp) e a atenção está voltada apenas para a tela, o que transforma esse histrionismo em algo próximo do patético. Marshall McLuhan explica (clique aqui).
Isso faz com que as pausas dramáticas, os olhares e gestuais histéricos soem risíveis e deixem as cenas mais inverossímeis no cinema. Intérprete de Moisés, Guilherme Winter adota esse estilo na primeira fase do filme e paga mico com a péssima atuação ao descobrir ser filho de hebreus. Justamente quando está mais cometido e com um estilo mais sóbrio, o ator se sai bem melhor. Já Sérgio Marone, coitado, precisa fazer o vilão e vilão na TV já viu: é caras e bocas com muitas falas ditas de forma bem maligna. Um horror. Quase uma filial da ‘Malhação’, o restante do elenco é sofrível (destaques negativos para Samara Filippo e Camila Rodrigues). Quem se salva, diga-se de passagem, é o experiente Paulo Gorgulho.
Quanto às questões técnicas, “Os Dez Mandamentos” peca feio nos figurinos (aquelas roupinhas da primeira fase dos egípcios usadas por Moisés e Ramsés parecem saídas de fantasias de carnaval, fora a roupa usada por Mel Lisboa ao encontrar o futuro líder dos hebreus no cesto) e na estrutura dos cenários internos, feitos em estúdios, pensados exclusivamente para televisão e que perdem a profundidade de campo no cinema. Mesmo com um ou outro momento destoando, as sequências de efeitos especiais do filme são de se aplaudir, especialmente, a abertura do Mar Vermelho. Se não chegar a bater a proeza de Cecil B. DeMille na versão com Charlton Heston nos anos 1950, a produção da Record caprichou e cria um momento verdadeiramente épico.
Obra intocável?
Independente da minha ou qualquer outra crítica, “Os Dez Mandamentos” já é um sucesso. Mesmo que impulsionado de uma forma nem tão espontânea pela compra e distribuição de ingressos feita pela Igreja Universal, o filme consegue lotar boa parte das salas e vai render um lucro significativo à Paris Filmes, distribuidora do longa.
É um novo filão do mercado tão ou até mais lucrativo do que as comédias nacionais da Globo. E que sejamos justos: já vinha sendo explorado pelos espíritas com filmes como “Nosso Lar” e, claro, os católicos com “Maria, Mãe do Filho de Deus”.
Preocupa, entretanto, é a real qualidade dessas obras. Cada vez mais o mercado parece disposto a aceitar qualquer coisa para lucrar. É válido, faz parte do jogo, mas, não deixa de ser aterrador Se nas comédias populares, a desculpa era que o filme era apenas para distrair, qual será a justificativa, agora? É uma obra divina? Uma produção intocável pela mensagem bíblica que passa? Isso significa que iremos desligar qualquer mínima criticidade e os realizadores poderão fazer de qualquer jeito e está bom?
O final de “Os Dez Mandamentos” já deixa claro o futuro que nos espera: a luta pela Terra Prometida está chegando. Vem aí mais do que está dando certo, sendo fenômeno de audiência e quebrando recordes de bilheteria no Brasil. Tudo isso movido por uma parte do público cada vez menos crítico e por duas entidades hábeis em atrair multidões.
Seja o que Deus quiser.
PS: a voz de Deus – WTF? A Record não tinha nada melhor do que chamar o cara do varejão para fazer aquelas falas?
Assisti o filme ontem e concordo nos pontos que tangem a dificuldade em adaptar uma novela para cinema, e a falta de desenvolvimento entre moisés e ramsés. Entretanto, acredito que tenha sido meio infeliz ao criticar a atuação do guilherme winter e da camila rodrigues. Vejo que elogiou apenas o ex pantanal, paulo gorgulho, figurão da globo no passado. Camila rodrigues teve uma atuação ótima e aqueles gritos foram convincentes. E sobre o figurino, o que tem a ver ele se parecer com as roupas de carnaval? Esperava um embasamento mais profundo sobre isso, explicando porque os figurinos não foram convincentes. Mas isso é claro, tem que haver respaldo arqueológico, como os próprios desenhos deixados no egito(que lembram o da mel lisboa). Não entendo pq guilherme winter pecou na interpretação ao descobrir que moisés não era egípcio. Me diz, que cara se faz nessas situações? Pelo que eu saiba, moisés era, segundo a bíblia, o varão mais “manso da terra”. Guilherme winter não passa um ar de paciência bem melhor que Charlton Heston em 1956?
Bem, pelo menos gostou dos efeitos, há quem critique os estúdios de hollywood.
Assisti ao filme ontem também e gostei das interpretações dos atores. Na novela me chamaram a atenção o Sergio Marone e a Camila Rodrigues, mas no filme o Guilherme Winter mostrou toda sua capacidade (ganhou um prêmio por isso) devido ao roteiro ter colocado seu personagem em evidência. É claro que a Record tomou a decisão muito rápido, e quis fazer em um espaço curto de tempo e vemos essa pressa traduzida em imperfeição cinematográfica e não vai ganhar nenhum Oscar. Mas Os 10 Mandamentos fez evoluir a indústria cinematográfica do Brasil com seus efeitos especiais, figurinos, interpretações, etc. Vale a pena ver!
As versões finais ainda continuam sendo estas : a feita por Cecil B. DeMille (1956) e a animação musical (pasmém, não uma obra original da Disney), “The Prince of Egypt”.
As versões finais ainda continuam sendo estas : a feita por Cecil B. DeMille (1956) e a animação musical (pasmem, não é uma obra original da Disney), “The Prince of Egypt”.