Tendo seu nome claramente inspirado nas cores da bandeira francesa, “A Liberdade é Azul” compõe um dos três filmes da trilogia ‘As Cores’ do cineasta polonês Krzystof Kieslowski (1941 – 1996). Durante os 94 minutos de projeção, há uma exploração crescente do sentimento de perda e culpa que mergulham a personagem central em uma depressão expressa pela cor, ângulos de câmera e cenários.

Em “A Liberdade É Azul”, Juliette Binoche entrega uma personagem que acaba de perder o marido e a filha em um acidente em que foi a única sobrevivente e, ao longo do filme, tenta superar o luto e a solidão.

Desde os primeiros cinco minutos, percebe-se o conteúdo frio e sutil da obra, cada composição fotográfica – planos, movimentos de câmera, aplicação de filtros; composição cenográfica e escolha de trilha sonora denotam a poética que se não foi a proposta inicial, mas encaixou com maestria. Evidenciando que quanto mais sutil, maior o efeito causado.


Solidão e Liberdade

As cenas indicam constantemente a presença de solidão e liberdade, criando uma linha tênue entre tais estados de espírito. Há uma preocupação tanto no roteiro quanto na fotografia de evidenciar detalhes que denotam características da personalidade e do momento de Julie (Juliette Binoche).

Algumas das cenas mais icônicas são construídas dessa forma, como o torrão de açúcar no café, onde vê-se a coloração escura o preencher devagarinho e depois sua inserção na xícara cheia que transpõe a borda, mas não derrama. Assim como Julie, sendo invadida pela solidão/liberdade e não permitindo que suas emoções transbordem exteriormente.

A expressão de Binoche do início ao fim da película aponta mais uma vez para a temática proposta da obra, não permitindo em nenhum momento que o sofrimento interno causasse maior impacto que sua expressão sóbria.


Trilha Sonora e Fotografia

Outra marca da direção de Kieslowski é a junção entre a trilha sonora e a fotografia. No momento em que os dedos de Julie tocam a partitura com a composição inacabada de seu marido falecido, a música também surge como se ela estivesse regendo as 12 orquestras para as quais a música foi composta. Em outra sequência, quando ela e o antigo colega de trabalho de seu esposo tentam concluir a sinfonia, ao longo das sugestões de inclusões instrumentais e harmônicas, quanto mais leve a música se torna, mais desfocada a imagem se converte.

Em contrapartida, nas ocasiões mais tensas da personagem, a altura da música eleva-se e há uma ausência de cenografia. Permanecendo apenas o impacto da tensão. É válido salientar que a cada elevação/quebra de momento de tensão, a movimentação de câmara varia.

No primeiro arco da trama, a câmera está constantemente presa ao tripé, com movimentos curtos e cortes desacelerados e lentos, típicos do cinema do diretor. Porém, a cada ponto de impacto, a fotografia e o roteiro aceleram-se como se fossem términos de capítulos folhetinescos, mas, na verdade, apontam a passagem de cada fase da libertação do luto de Julie.


Blue

O azul presente em variados tons, incrementa detalhes da obra. É bem verdade que em seu decorrer outras cores se destacam, como o amarelo que predomina nos curtos momentos de alegria de Julie. Torna-se perceptível a preocupação visual ordenada por meio das cores que pincelam o tom emocional do filme.

Um momento que atenua tal percepção visual ocorre na separação de cores ente a personagem Julie e a “única amiga” que faz após o acidente. Desde o início da relação entre ambas, a fotografia expõe a forma como a personagem central se coloca diante da outra. A câmera filma as duas personagens em extremidades da tela e com uma coluna no meio, separando-as e criando duas “áreas” distintas. Depois uma das personagens vai de encontro com a outra, invadindo sua área. dentro da casa de swing. A construção da cena delineia mais uma vez o perfil da personagem e da presença do azul na duração do luto e construção de sua liberdade. Enquanto a outra, que tem em sua construção um ar libidinoso, é representada pelo vermelho.


A Liquidez

Um ponto interessante na trama é a relação criada com a água. Julie joga suas frustrações, anseios e lágrimas ao nadar na piscina; e isto também está ligado à forma como ela precisa lidar com decisões importantes e pessoas que estão interligadas ao seu momento.

A medida que o rumo de sua vida vai “desandando”, as cenas, que são predominantemente azuis, tornam-se mais escuras, evidenciando o desconforto dela com relação ao mundo. Em outro momento, e o que causa maior impacto no decorrer da trama, é a junção entre a imagem e o som, dando a cena compreensão de que aquilo é a descrição, sem palavras ou diálogos, apenas com as imagens e as cores.

Isto se torna evidente ao notar a cada vez que a personagem toma uma decisão importante na história, a sequência sucede o escurecimento total da tela e um “crescimento” da trilha, que depois fica em silêncio. Então, a tela volta a aparecer e a personagem dá a sua resposta. Pode ser comparada com uma representação de uma respiração profunda e a concentração para tomada de decisão.

Tudo isso em torno da água e de suas representações presentes no filme.

“A Liberdade é Azul” acaba justamente com a conclusão da sinfonia inacabada do marido falecido de Julie. E traz para a sociedade, um filme em que a cor e a música falam por si só e situam seu público ao estado emocional que se propõe mostrar com a delicadeza da frieza da personagem, compondo o tema principal e evidenciando que quanto mais sutil, maior o efeito.