Filmes sobre autodescoberta não são nenhuma novidade no cinema. Vários são os exemplos de personagens que, ao saírem de suas zonas de conforto, desvelam um novo olhar sobre o mundo e, por conseguinte, inspiram o espectador a lançar o mesmo olhar para suas próprias vidas ao pisarem fora da sala de exibição. Essa é mais ou menos a proposta de “Trem noturno para Lisboa”, ou, pelo menos, o que o filme tenta fazer sem muito sucesso.

Quando o professor suíço Raimund Gregorius (Jeremy Irons) tenta salvar uma de suas alunas do suicídio, ele, sem imaginar, põe o primeiro pé longe da tal zona de conforto. Ao ler trechos de um livro abandonado pela moça, escrito pelo médico Amadeu de Prado, sua jornada inicia e ele segue para Lisboa. Aí começam os primeiros problemas de um filme que tinha o potencial para criar conexões mais profundas com o espectador mesmo sendo tão cerebral.

Várias são as situações inverossímeis que guiam a jornada, como Raimund seguir para Lisboa sem bagagem alguma ou ser recebido facilmente pela irmã do escritor em Portugal. Porém, cinema é magia, e tudo seria perfeitamente aceitável se o personagem transmitisse algum tipo de inquietação maior, algo que nos incitasse a acreditar que ele tinha a urgência de se lançar rumo a novas emoções a partir da busca por saber quem foi Amadeu de Prado, que aquele seria o seu despertar derradeiro para a vida. Porém, o filme segue frio, juntando as peças do quebra-cabeça sobre o escritor sem nunca nos deixar muito curiosos sobre isso.

Se o filme peca na condução das emoções que deveria despertar, ao menos brinda o espectador com seus aspectos técnicos bem cuidados. A trilha sonora instrumental é equilibrada, permeia discretamente os momentos e ajuda a não deixar o filme mais frio do que já é. A fotografia ora intensifica os tons terrosos e os azuis durante os flashbacks, numa combinação que mostra Lisboa tão bela como de fato é, ora é efetiva ao mostrar um mundo literalmente sombrio durante a ditadura. Falando em flashbacks, são estes que conseguem salvar o filme de um completo distanciamento emocional, mesmo com os personagens tão fragmentados. Outro ponto positivo é a qualidade do elenco, que conta com Jeremy Irons, Mélanie Laurent, August Diehl, Bruno Ganz, Jack Huston e Christopher Lee (este último praticamente desperdiçado em tela).

Pena que nem só de técnica viva um filme. Por mais bem feito que “Trem noturno…” seja nesse sentido, fica óbvio que falta paixão por parte do diretor Bille August ao contar a história. Diluído nesses equívocos, o final da trama fica em aberto, o que seria “a cereja do bolo” se o resto do filme fosse conduzido adequadamente. Uma pena, pois a premissa de “Trem noturno…” é interessantíssima por trazer a questão da autodescoberta e, de quebra, um pouco da história de Portugal ao grande público.

Baseado em livro de Pascal Mercier, “Trem Noturno Para Lisboa”, o filme, dá a impressão de que lê-lo seria uma experiência mais intensa que vê-lo nas telas, pelo menos com essa direção de August. Não que o filme seja de todo um fracasso, especialmente se considerarmos o quanto alguns dramas seguem fórmulas batidas para arrancar lágrimas fáceis dos espectadores; mas o que os dramalhões têm de mais, “Trem noturno…” tem de menos, e ambos os extremos são negativos para o produto final.

Nota: 6,5