Do céu ao inferno de Hollywood. É uma situação que combina para um cineasta como M. Night Shyamalan. Ele que já gozou de um enorme prestígio no cinema americano entre 1999 a 2004 – seus filmes eram marcados por uma forte campanha de marketing publicitário – teve uma derrocada surpreendente a partir de 2006, onde cada novo trabalho, era recebido de forma jocosa por parte da crítica ou da mídia, ainda que fossem relativos sucessos de bilheterias. Pessoalmente, sou suspeito para falar do cineasta até porque simpatizo por algumas das suas ideias mesmo em obras irregulares e execradas pela crítica como é o caso de Fim dos Tempos e Depois da Terra, exemplares menores dentro da filmografia do diretor indiano, com exceção de O Último Mestre do Ar, sem dúvida, o seu pior trabalho.

Sua nova produção, A Visita que estreou na última semana nos cinemas de Manaus, não é a volta do diretor a sua melhor forma ou pelo menos ao auge do período acima citado, mas é um trabalho digno, honroso que aponta o seu retorno ao gênero que o consagrou (no caso o suspense) privilegiando a boa e velha construção visual apurada dos seus outros filmes. Recorre também a temas familiares como a dualidade entre o apego e o desapego vista em O Sexto Sentido e Sinais e da extrema importância de enfrentarmos nossos medos e adversidades em prol do nosso crescimento pessoal, elementos que delimitam os segmentos principais de Corpo Fechado e A Vila.

Neste novo trabalho, grande parte das obsessões pessoais da sua filmografia estão presentes: Becca (a adorável Olivia De Jonge) e Tyler (Ed Oxenbould, simpaticíssimo), são dois irmãos que vivem com a mãe, depois que o pai os abandonou para viver com outra mulher. Ambos são enviados pela mãe para passarem uma semana na casa dos avós, que nunca conheceram, já que a mãe saiu de casa ainda jovem e nunca mais retornou. Becca que se vê como uma postulante cineasta chama o irmão para ajudá-la na realização de um documentário familiar em relação a visita e também como uma forma de fazer a reconciliação entre os avós e a mãe. O problema é que o casal de idosos passa a demonstrar um comportamento cada vez mais esquisito e excêntrico ao passar dos dias.

Se a ação de Becca em realizar um documentário é uma tentativa de reconciliar os laços familiares fragilizados pelas dificuldades emocionais na qual ela, a mãe e o irmão estão absorvidos, A Visita é por sua vez uma tentativa de Shyamalan de reconciliar-se não apenas com o seu público fiel como também com o seu próprio cinema de autor. Como grande parte dos seus outros trabalhos, o cineasta gosta de transformar suas narrativas em fábulas de superações e reparações familiares, por isso este novo trabalho funciona como uma releitura do conto de João e Maria dos irmãos Grimm.

Muda-se apenas a imagem da bruxa – ainda que a caracterização da avó lembre bastante à figura de uma – para um casal de idosos, responsáveis em materializar as fragilidades emocionais dos irmãos. É como se o próprio filme transitasse em dois universos distintos: o fantástico, cujo tom de fábula e as estranhezas do casal de idosos colaboram para isso e o real na qual as emoções e conflitos pessoais dos personagens são obstáculos necessários a serem superados para que a realidade se sobreponha ao mundo fantástico. Shyamalan muitas vezes se apropria com autoridade do confronto entre estas duas realidades para desenvolver tanto a sua dramaturgia quanto os elementos mais tensos dos seus filmes.

Ressaltar-se que esta própria estranheza que permeia grande parte de A Visita, também é percebida na própria estética do filme: uma obra híbrida, onde a comédia e o terror dialogam em vários momentos, deixando uma sensação incômoda, mas que no fundo parece ser a real intenção do diretor em brincar com as possibilidades do terror, até mesmo como elemento auto referencial para deixar um tom de  imprevisibilidade no ar, na qual o humor ganha ótimas sacadas, alternando com momentos de seriedade que valorizam o suspense psicológico – a sequência na qual os irmãos brincam de esconde-esconde debaixo da casa mostra que o diretor indiano continua ainda um grande artesão em emoldurar o suspense.

E se o formato de found footage parece um caminho estranho para um diretor habituado às escolhas estéticas da mise-en-scéne apurada, na qual o suspense e sustos estão sempre presentes no extracampo da imagem, não deixa de ser interessante perceber o quanto seu novo trabalho oferece um formato elegante para a estética amadora dos filmes documentais, pois utiliza o seu tradicional cuidado nos enquadramentos que nada lembram ou remetem ao estilo treme-treme comuns em obras deste naipe. É de certa maneira uma qualidade que diferencia esta produção das demais dentro do subgênero.

Vale destacar também que Shyamalan continua acertando na direção de atores jovens. Tanto Olivia De Jonge e Ed Oxenbould são dois belos achados. A primeira pela segurança e firmeza como domina sua personagem. Já o segundo é puro carisma e representa o que de melhor o filme possui. Seu Ed é responsável pelos ótimos momentos cômicos e inteligentes do longa. São dois jovens atores promissores que podem brilhar futuramente no cinema americano assim como aconteceu com Haley Joel Osment em o Sexto Sentido.

A Visita com certeza está longe de ser um dos melhores filmes no formato de found footage. Não é um grande suspense psicológico como A Bruxa de Blair ou um terror tenso como o espanhol REC, mas sem dúvida é um entretenimento de qualidade. É o melhor tratamento textual de Shyamalan desde a Vila. Ele oferece uma obra espirituosa e despretensiosa que dialoga diretamente com alegorias familiares e individuais. Não deixa de ser também um olhar excêntrico em relação a terceira idade, assim como sua estética sugestiona uma leitura divertida da metalinguagem em relação ao cinema contemporâneo.

 Esta complexidade de elementos permite uma obra que ao mesmo tempo em que provoca o riso, desperta inquietação e estranheza. Não é um trabalho que vai finalmente fechar as arestas entre o cineasta e a crítica especializada. Em contrapartida é um trabalho de reconciliação dele com o gênero que adora. Serve para ilustrar que bons artesãos podem até dar suas derrapadas, mas jamais perdem o seu talento e autoria. Quem sabe seja o pontapé inicial para a volta do grande autor que Shyamalan é.