Jon Batiste: American Symphony, documentário da Netflix sobre o músico norte-americano e da produtora do casal Obama, a Higher Ground, é um filme de duas narrativas: uma de sucesso de um artista criando sua arte; e outra mais dramática de uma pessoa enfrentando a possível morte de um ente querido. Isso porque Batiste viu sua vida se dividir nesses dois extremos em 2022.

Mais do que nunca, ele estava fazendo sucesso com sua arte e o filme do diretor Matthew Heineman – o mesmo do documentário indicado ao Oscar Cartel Land (2015) – mostra isso bem no início. Por muito tempo, Batiste fez parte da banda do talk show de Stephen Colbert, venceu o Oscar de melhor trilha musical pela animação Soul (2020), da Pixar, e naquele ano teve várias indicações ao Grammy. Porém, literalmente no mesmo momento em que experimentava a glória profissional, a leucemia da esposa, a escritora Suleika Jaouad, voltou a atacar.

O filme então passa a se dividir entre vermos o artista e Suleika lutando contra a doença com ficando cada vez pior; e os esforços dele para compor e executar “American Symphony”, seu trabalho mais ambicioso que representaria uma homenagem à música criada por pessoas de cor, em um painel que incorporaria várias gerações de estilos musicais.

SINFONIA INCOMPLETA

E é aí que Jon Batiste: American Symphony passa a ter problemas: essas duas narrativas não se concatenam muito bem.

Primeiro, porque o retrato do artista é superficial: eu, que não conhecia Jon Batiste, continuo sem conhecer direito. O filme não mostra quase nada do seu processo de criação artística, e sinceramente, todo o papo dele a respeito da American Symphony parece aquela conversa de artista pretensioso embarcando nas próprias egotrips. Fica a sensação de que o sujeito é tão ambicioso que quer dividir a música em antes e depois dele e, no fim das contas, boa parte do que vemos da música do filme lembra o pop das rádios. A certa altura, um interlocutor num programa de rádio o compara à música “Happy” do rapper Pharrell Williams, o que não me parece tão despropositada. Alguns dos melhores momentos do documentário, musicalmente falando, são quando o vemos interpretando música de outros, como os Beatles.

Curiosamente, é na parte do drama humano que Jon Batiste: American Symphony acaba funcionando melhor. A câmera de Heineman filma Batiste, Jaouad e outras pessoas bem de perto, em alta definição, como um espectador invisível. E é no segmento da luta contra o câncer que essa câmera consegue de fato fotografar um pouco da intimidade deles. É quando vemos alguns momentos que não parecem ensaiados ou pretensiosos, mas sim verdadeiros.

Inclui-se aí o momento mais mágico do filme e, talvez, o único em que Batiste realmente se desarme e abandone a pose: é quando ele está se apresentando diante de uma plateia e diz que a próxima canção é dedicada à esposa. Ele, então, pausa diante do piano, por mais de um minuto, e então começa a tocar. Ali, é possível vê-lo experimentar uma grande emoção e conseguir canalizá-la para a música e para a sua arte. Naquela cena, Jon Batiste: American Symphony, de fato, vira um filme sobre como o ser humano usa a arte para comunicar emoções que não consegue processar ou explicar em palavras.

Como resultado, é um filme que funciona melhor em momentos do que no seu todo. Há belas cenas espalhadas que justificam a assistida, mas no geral parece uma obra resguardada e que não atinge todo o seu potencial. É mais ou menos como a sinfonia que o próprio Jon Batiste diz em certo momento que está incompleta, e que vemos ser apresentada no desfecho do documentário.