Ao final da sessão de A Vida em Si a impressão que temos é que há dois Dan Folgeman no universo: um é o Dr.Jekyll, o médico responsável pela criação do ótimo drama, This Is Us, série televisiva que aborda de forma sensível, histórias familiares centradas em traumas e conflitos humanos. Nela, observamos momentos fofos e delicados para balançar o coração e que funciona na sua veia melodramática como um Nicholas Sparks televisivo com pedigree. O outro Dan que habita este mundo é o Mr.Hyde, um monstro desajeitado e afobado em traçar seu drama familiar em A Vida em Si, que diferente do colega da TV, não possui o mesmo refinamento no acabamento da sua história, com Folgeman escorregando em manter o foco da sua própria narrativa ao apresentar um filme que funciona como efeito contrário em relação a série.

A Vida em Si apresenta uma trama contada sob três segmentos que acontecem em diferentes décadas e continentes (Nova York e Espanha), mas que se conectam através de um evento marcante: O primeiro retrata o relacionamento amoroso do casal Will (Oscar Isaac, simpático, mas excessivo nos tiques) e Abby (Olivia Wilde, sempre cativante, contudo inexpressiva) que é contato sob a perspectiva de Will para uma terapeuta (Annette Bening). O segundo é focado na infância e adolescência da filha deles, Dylan, vivida no segundo momento pela atriz Olivia Cooke. O último se passa no interior da Espanha, apresentando o empresário vivido por Antonio Banderas que se prontifica a ajudar a família de um empregado. Apesar de soar aleatória, essa terceira história se conectará com as outras duas através de um evento improvável.

Se é injusto comparar a série com o filme, a produção cinematográfica apenas sob uma análise fílmica, oscila bastante na sua vertente médico e monstro: há realmente momentos belos e interessantes, contudo, há uma série de concessões do roteiro que deixa o filme uma espécie de auto-ajuda ordinária, uma perfumaria inconsistente que se perde em lugares comuns de um melodrama discutível.

Folgeman sofre pelas diversas conexões forçadas entre seus segmentos indo pelos caminhos mais óbvios. Temos uma salada-mista de referências cinematográficas que vão de Crash – No Limite e 21 Gramas – a divisão das histórias em capítulos com o acaso unindo as personagens, remete a cada um dos citados – passando pelos diálogos água com açúcar cafona de um romance de Sparks ou então as citações obsessivas sobre a música pop (as canções de Bob Dylan são sempre verbalizadas por Will e Abby) que remete as adaptações cinematográficas dos livros de Nick Hornby como Alta Fidelidade e Um Grande Garoto. Essa mistura de diversos filmes não seria problema se o diretor as tornassem instigantes, o que não é o caso.

É claro que a experiência oferece momentos interessantes: o promissor início cheio de sarcasmo, com a participação especial de Samuel L. Jackson que zoa com a questão do narrador off e com o próprio heroísmo no cinema, juntamente com o primeiro diálogo entre Banderas e o seu empregado – por sinal, muito bem escrito – deixam A Vida em Si ousado e dotado de espontaneidade.

Por isso, observar que a proposta narrativa instigante oferecida pelo roteiro que coloca o público para pensar – a metalinguagem do texto sobre o narrador não-confiável é super interessante – se desenvolva através de uma comunicação didática e de ações rápidas que jogam cenas fortes com apenas a finalidade de extrair a emoção do espectador. Falta aqui, a delicadeza de This Is Us que dava espaço para uma narrativa natural, enquanto o filme cansa pela previsibilidade, sem que Folgeman adote qual é o melhor tom para os momentos chaves, pois conduz cenas, ora com excesso de humor-negro, ora com puro melodrama brega, sendo este último encenado com uma mão pesada.

Sua própria mensagem, ainda que bem-intencionada, é confusa, encapsulando tudo o que o roteiro deseja transmitir. Seu estudo sobre o amor através das imprevisibilidades da vida não ganha uma boa dimensão dramática, ao não deixar claro que se é a vida que une as pessoas ou são as tragédias responsáveis por esta união. Logo, várias ótimas premissas, são desperdiçadas. A história de Will e Abby que começa bem, perde sua relevância ao final. O mesmo acontece com o segmento na Espanha que aos poucos diminui sua solidez dramática para mergulhar nos piores clichês ordinários de motivação. Os ótimos personagens vividos por Mandy Pantikin (um excelente ator no teatro) e do empregado de Sérgio Peris-Mencheta são praticamente descartados pela falta de interesse do seu cineasta. Na verdade, não sabemos se Folgeman acredita estar fazendo um senhor filme ou então quer apenas rir da nossa cara.

Essa própria irregularidade narrativa é observada na própria direção. Algumas conduções são interessantes como as transições de tempo bem executadas e que representam o crescimento dos personagens; por outro lado outras cenas, revelam a pieguice de Folgeman com flashbacks em câmera lenta dignos de um comercial burocrático de margarina.

Não satisfeito com isso, A Vida em Si ainda entrega um final ordinário que até pode emocionar sobre a real necessidade do sentido da vida, mas que não esconde uma história preguiçosa. Entre seu arco dramático promissor e sua perspectiva complexa, Folgeman entrega um produto final deveras romantizado e exagerado. Infelizmente no cinema, o diretor até agora não engrenou – seu outro filme é o horrível Não Olhe Para Trás com Al Pacino. Aqui ele transforma sua ótima série This Is Us em um cinema novelesco que pesa a mão no melodrama e no piegas.