Escrita em seis semanas e filmada com um orçamento curtíssimo, a série televisiva “Cenas de um Casamento”, com cinco horas de duração divida em seis episódios, deixou as telas da TV sueca como um sucesso. Sem a pressão de ser um longa-metragem, ainda que posteriormente encurtada para lançamento nos cinemas, a produção firmada exclusivamente em diálogos simples sem quaisquer efeitos cinematográficos, com sua força tirada do texto e das atuações, revelou-se não só uma das obras máximas de Ingmar Bergman, mas o melhor trabalho de escrita do cineasta. 

A narrativa segue a rotina do privilegiado casal classe-média, Marianne (Liv Ullmann) e Johan (Erland Josephson). Ela, advogada, e ele, pesquisador, formam um casal moderno ideal. Contudo, a segurança supostamente inabalável da relação vem por água abaixo depois de Johan relevar estar apaixonado por uma mulher mais jovem e sair de casa. Com as certezas de ambos aniquiladas, o antigo casal tenta manter um relacionamento amigável diante da nova realidade, porém, a mesma força que os aproxima também os repele.   

Antes de ser reconhecido pelas suas obras existenciais e seus conflitos com religião e fé, Bergman sempre demonstrou grande curiosidade pelos pormenores das relações conjugais. Tema central de todas as suas comédias e, mais tarde, de alguns de seus dramas, é com “Cenas de um Casamento” que Bergman leva o tópico a outro nível. Como o cineasta mesmo pontuou, a série trata como o “ideal burguês de segurança corrompe a vida emocional das pessoas”. Marianne e Johan vivem uma vida tranquila, o sucesso conjugal apoiado na estabilidade financeira, em suas posições na sociedade, nos amigos, na família, e mais ainda no conforto das certezas sobre a relação.

Quando um terceiro elemento quebra a rotina e, por consequência, a harmonia dos dois, o espectador se depara com o despertar do casal, especialmente de Marianne. Ela passa a refletir sobre sua situação como mulher e indivíduo, que mesmo privilegiada no acesso à cultura e socialmente consciente, viveu condicionada a uma criação para agradar e seguir as regras, alheia aos próprios desejos. Nesses fragmentos, Bergman expõe como o declínio desse casamento “perfeito”, coloca os protagonistas em um processo de autoconhecimento e entendimento da imposição invisível em se encaixar nos modelos socialmente aceitáveis, até nos mínimos detalhes da vida. 

Bergman afirmou que Cenas de um Casamento foi o primeiro trabalho que ele não se autoprojetou nos personagens. Verdade ou não, é inegável como o diretor fez dos seus diálogos (e monólogos) parte crucial nas suas obras. Reflexo do notável dramaturgo que era. Sempre incitando reflexões não somente com suas imagens, mas com cada palavra dita pelos seus personagens. Cenas de um Casamento certamente não possui a opulência dos cenários de Gritos e Sussurros ou a complexidade narrativa de Persona, mas alcança a excelência pelo seu texto como nenhum outro trabalho. Isso, claro, graças as atuações monumentais de Liv e Erland. Fatores que completam mais uma obra-prima do diretor. Catártica do início ao fim.