Sir Philip Anthony Hopkins, nascido em 1937 no País de Gales, tem uma carreira das mais estranhas. Seu talento é mundialmente reconhecido por críticos e cinéfilos desde pelo menos os anos 80, mas, após a explosão com O Silêncio dos Inocentes (1991) e um ano brilhante em 1993, só esporadicamente o ator mostrou o enorme potencial visto em seus melhores trabalhos.

Assim como Morgan Freeman, também nascido em 37, Hopkins só conheceu a celebridade na velhice. Tendo vindo ao mundo durante os tumultos da Europa pré-Segunda Guerra, sua infância na insular Wales foi relativamente tranquila, com o menino Anthony desde cedo mostrando uma aptidão natural para as artes – e um desprezo igualmente natural por todas as outras matérias da escola.

Incentivado a estudar teatro por ninguém menos que Richard Burton, Hopkins ingressou no Royal Welsh College e, em seguida, na Royal Academy inglesa, da qual, já formado, partiu para integrar grupos de repertório. Mais uma vez, um colega famoso o notou – desta vez Sir Laurence Olivier, que o convidou para integrar o Royal National Theater. O resto, como dizem, é história – ou deveria ter sido.

Apesar do talento notável e de emplacar performances arrasadoras na ribalta, Hopkins decidiu seguir carreira no cinema e na televisão, e sua escalada, a partir daí, foi bem mais lenta. Seus primeiros papéis famosos só vieram no fim dos anos 70, e, ainda assim, só entre aficcionados da Sétima Arte.

Dois trabalhos notáveis do período foram o médico Frederick Treves, no grande sucesso de David Lynch de 1980, O Homem-Elefante, e sua interpretação de Adolf Hitler no filme televisivo The Bunker (1981), que lhe valeu um Emmy. Papéis progressivamente mais prestigiosos foram aparecendo, mas, sucesso mesmo, com S maiúsculo, este só viria quando Hopkins decidiu vestir uma focinheira e encarar o serial killer mais assustador da telona: Hannibal Lecter. Mas essa história fica para os cinco lugares da nossa Lista.

5. Desafiando os Limites (2005)

Este filme modesto, que pouca gente viu, serve como um lembrete da mágica que Anthony Hopkins consegue evocar quando estimulado por um papel. Inspirado na história real do piloto Burt Munro, que, aos 68 anos, conseguiu quebrar o recorde mundial de motovelocidade usando um veículo improvisado, Desafiando os Limites seria um trabalho facilmente condenado à vala comum dos filmes “divertidos”, não fosse a lembrança constante de que Hopkins é um ator extraordinário quando quer ser. Assista a este pequeno tour de force e entenda por quê.

(Talvez muita gente estranhe a ausência de Amistad (1997), uma das interpretações mais premiadas do galês, mas foi preciso escolher os cinco melhores de Hopkins, e este, além de ser um trabalho melhor, precisa ser urgentemente mais conhecido)

4. Terra das Sombras (1993)

Um dos diretores que consegue fazer aflorar a grandeza de Hopkins é o britânico Richard Attenborough, um nome hoje esquecido, mas que, em seu auge, criou épicos como Gandhi (1982) e Chaplin (1992), além de ter feito uma participação inesquecível no clássico de Steven Spielberg, Jurassic Park – Parque dos Dinossauros (1993).

Em parceria com Hopkins, Attenborough fez cinco filmes, dos quais o melhor, sem dúvida, é Terra das Sombras. Crônica do romance entre o escritor britânico C. S. Lewis (autor da série juvenil As Crônicas de Nárnia), vivido por Hopkins, e a poetisa americana Joy Davidman (Debra Winger), cujo comportamento ousado a princípio o repeliu, mas depois fez brotar uma paixão intensa, o filme é delicado, poético e melancólico como seu protagonista.

Um dos melhores trabalhos de Hopkins, cuja economia e sensibilidade fazem a obra ser comovente, sem cair no sentimentalismo, Terra das Sombras é mais um filme pouco conhecido no Brasil, que os interessados no ator não deveriam deixar de ver.

3. Nixon (1995)

Hopkins é mesmo um grande intérprete de personagens históricos. Sua maior conquista nessa seara foi a brilhante recriação do ex-presidente americano Richard Nixon, em Nixon (dã), do diretor americano Oliver Stone.

Segundo dos três filmes do cineasta a examinar os homens por trás da presidência dos Estados Unidos (o primeiro foi JFK – A Pergunta que Não Quer Calar, de 1991, e o último foi W., em 2008), este aqui talvez seja o melhor, não só pela atuação superlativa de Hopkins, repleta de momentos assombrosos, como o monólogo em que ele relembra os pais, mas também pela qualidade do roteiro, assinado pelo próprio Stone, ao lado de Stephen J. Rivele e Christopher Wilkinson, cheio de alusões intrigantes a fatos reais e capaz de construir um personagem complexo e contraditório, em vez de reduzi-lo a um mero vilão.

Falar mais seria estragar o prazer que é desvelar, camada por camada, a trajetória surpreendente e a psicologia complexa do mais misterioso dos presidentes americanos.

2. Vestígios do Dia (1993)

Outra joia esquecida do cinema são os filmes históricos da produtora Merchant Ivory nas décadas de 80 e 90. Em geral, adaptações de clássicos do período vitoriano, como os romances de Henry James e E. M. Forster, as obras da empresa projetaram a carreira de boa parte dos grandes astros do cinema britânico na atualidade.

Ao lado de Glenn Close, Emma Thompson, Hugh Grant, Uma Thurman, Ralph Fiennes e Helena Bonham Carter, Anthony Hopkins também foi um célebre associado da Merchant Ivory em sua melhor fase. Seu grande filme na companhia é Vestígios do Dia, uma versão do premiado romance do escritor anglo-nipônico Kazuo Ishiguro.

Uma trama intrincada, cheia de subentendidos, sobre as relações nas altas classes europeias durante os anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, Vestígios traz um dueto inesquecível entre Hopkins e Emma Thompson, como os chefes do serviço doméstico numa nostálgica mansão vitoriana. Nutrindo uma paixão silenciosa, corroída pela rigidez e impassibilidade de Mr. Stevens (Hopkins), o casal é progressivamente afastado por suas reações ao conflito iminente.

Com mais um show de atuação de Hopkins, o filme é uma bela lembrança da classe que a Merchant Ivory emprestava ao cinema britânico popular, bem como do talento, então no auge, de Anthony Hopkins.

1. O Silêncio dos Inocentes (1991)

Não tem jeito: tantos anos depois, o papel que vai garantir a imortalidade a Hopkins é mesmo o do serial killer Hannibal Lecter, num dos mais incríveis thrillers já feitos, O Silêncio dos Inocentes.

Inteligente, ardiloso, fascinante, diríamos até sensível, mas tomado por um furor sanguinário e um apetite canibal diante de suas vítimas, Lecter estampou sua icônica focinheira entre os grandes personagens do cinema, além de gerar vários filhotes – como na série Psicose, sua antecessora mais direta, alguns são bons, mas nenhum chega perto do original. Culpa de Hopkins, que, num lance sensacional de inspiração, encheu o assassino de ambiguidade e charme.

Engajado num duelo de inteligência com a investigadora Clarice Starling (Jodie Foster), uma novata do FBI que pede sua ajuda para caçar outro psicopata, o sinistro “Buffalo Bill” (Ted Levine), Lecter prova-se um auxílio tão valioso quanto imprevisível.

O filme faz parte do seleto trio que ganhou o “Big Five” do Oscar, as cinco principais estatuetas – Filme, Ator, Atriz, Diretor e Roteiro Adaptado. Também foi o primeiro terror desde O Exorcista (1973) a ser escolhido para preservação pela biblioteca do Congresso americano, por sua relevância cultural. Entre mortos e feridos, aquele semblante desapaixonado, calculista e de gelar a espinha é obra inconteste de Anthony Hopkins, que nunca mais repetiu feito semelhante. Se ainda não viu, não perca tempo.

O pior:

Em Má Companhia (2002)

Escrevi lá no início que a carreira de Anthony Hopkins, depois de 1993, estacionou numa preguiça e apatia exasperantes. Quase todos os seus filmes desde então trazem uma característica nada lisonjeira: o “olhar de peixe morto”, que Hopkins exercitou à perfeição nesta bomba (sem trocadilho).

Um filme de ação genérico, unindo em cena o comediante (?) Chris Rock e a “lenda” Hopkins, Em Má Companhia desperdiça o talento de todos os envolvidos, com tiradas cômicas forçadas, uma “química” artificial entre os astros e a direção estilo “aperte o botão” de Joel Schumacher, um  nome que já foi, há muito tempo, considerado promissor.

Apenas mais um numa longa lista de trabalhos onde o (ex?) grande Anthony Hopkins parece apenas estar em busca de renovar o saldo bancário, quando não está reprisando as caras e bocas de seus filmes famosos, Em Má Companhia mereceu um lugar neste post pelo conjunto excepcionalmente desarmonioso. Pena que essa lista não seja também dos cinco piores de Hopkins. Daria fácil pra incluir dez.