Durante mais de três décadas, os “Trapalhões” dominaram a comédia brasileira na televisão e no cinema. Responsáveis pela diversão de crianças e adultos, o grupo formado por Didi, Dedé, Mussum e Zacarias lotou as salas de exibição do Brasil inteiro.

A trupe possui quatro filmes com mais de 5 milhões de espectadores – “O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão” (1977), “Os Saltimbancos Trapalhões” (1981), “Os Trapalhões nas Guerras dos Planetas” (1981) e “Os Trapalhões na Serra Pelada” (1982).

Em passagem por Manaus, a grande ‘escada’ do humor nacional, Dedé Santana conversou com Danilo Areosa e Ivanildo Pereira relembrou os tempos de domínio nos cinemas nacionais e curiosidades sobre os bastidores dos filmes que marcaram época.

Confira abaixo nesta conversa exclusiva: 

Cine Set – Vamos iniciar falando da peça “Palhaços”. Como você se envolveu com esta tragicomédia?

Dedé Santana – Quando o Alexandre Borges me convidou para participar, pensei que ia ter um picadeiro, palhaçada. Pensei: ‘que legal, fui palhaço com sete anos de idade. Vai ser legal’. Assim que o texto chegou, eu realmente me assustei. Era o outro lado do palhaço, mas, como já tinha dado minha palavra, topei fazer. Desde o início até hoje está sendo um desafio muito grande fazê-lo. Já fiz muito teatro na minha vida, mas, este tipo de espetáculo é a primeira vez.

Cine Set – Sua carreira começou no circo ainda garoto. De que forma a peça se relaciona com a sua vida?

Dedé Santana – Todo palhaço é triste. Esta é uma verdade e, na peça, o meu personagem Careta é um sujeito bastante sofrido, foi abandonado pela mulher. Na vida real, também sofri perdas muito doídas, mas, precisei esquecer momentaneamente para estar no palco, afinal, o espetáculo não pode parar. Aliás, este é o lema do artista circense. Pode a irmã cair do trapézio, se arrebentar no chão, a ambulância vir, mas, o palhaço tem que continuar.

Cine Set – E como o circo o ajudou nos Trapalhões?

Dedé Santana – Vou dizer uma coisa: tenho muito orgulho de ter levado o humor circense para a televisão. O Renato Aragão escreve muito bem, mas, eu pegava o que ele fazia e misturava com as coisas do palhaço de circo. Com isso, nós fomos fazendo aquelas brincadeiras de cair no chão, dar tapa, escorregar. Isso não existia na televisão: naquela época, o humor era muito de rádio. O próprio Chico Anysio vinha da rádio e o humor dele era mais falado, enquanto fomos para um humor mais físico. Até o Caetano Veloso fez uma música para gente brincando com isso chamada ‘Jeito de Corpo’.

Cine Set – Você é um ícone do cinema nacional, os Trapalhões dominaram as bilheterias por décadas. Conte como foi o início da trajetória de vocês.

Dedé Santana – Tudo começou com a dupla Dedé & Didi. Mussum e Zacarias entraram 10 anos depois e sete filmes sucessos de bilheteria nas costas antes dos Trapalhões. Já tinha vindo até a Manaus por causa destes projetos. O primeiro sucesso foi “Na Onda do Iê-Iê-Iê” (1966) em que fazíamos dois ajudantes do mecânico. Fizemos outros como “Ali Babá e os 40 Ladrões” (1972) e “Aladdin e a Lâmpada Maravilhosa” (1973). Desta fase inicial, um dos mais engraçados e um dos meus preferidos é “Robin Hood: O Trapalhão das Flores” (1974).

Cine Set – Como foi a experiência de dirigir alguns dos filmes dos Trapalhões? Era difícil comandar uma equipe marcada sempre pela capacidade enorme de improvisação?

Dedé Santana – Tive o Ary Fernandes (diretor e produtor da série “O Vigilante Rodoviário”) como um dos meus professores de cinema. No começo, porém, eu não podia assinar os filmes por não ter o registro profissional desta função. Meu sonho sempre foi mais dirigir do que atuar. Acabei comandando um dos mais comentados filmes nossos, “Os Trapalhões e O Mágico de Oróz” (1984). Em “Os Saltimbancos Trapalhões” (1981), toda parte americana fui eu que dirigi. O primeiro filme que a Xuxa fez conosco também.

Sempre brinco que nenhum diretor nos dirigiu. No meu caso, eu mais os guiava do que qualquer outra coisa. Por exemplo: eu orientava o Mussum de que, em determinado momento, ele precisava estar atrás do sofá porque o Renato vinha de lá e o Zacarias ficaria aqui. Perguntava: ‘tá legal?’. Respondiam: ‘tá’ e já gravava. Quase sempre, no máximo, no segundo take, já estava feito.

De todos os projetos, o mais difícil foi “Os Trapalhões no Reino da Fantasia” (1985) pelo fato de termos apenas 17 dias para fazer tudo. A Xuxa também deu muito trabalho porque ela queria fazer todas as cenas perigosas e eu dizia que não pelo risco dela se machucar.

Cine Set – Mas, o senhor gostava de fazer as cenas perigosas, não? Chegou até ter acidentes graves.

Dedé Santana – Vários, vários. Como era palhaço de circo, já tinha feito todo tipo de estripulia. Além disso, o dublê do Didi trabalhou comigo no picadeiro. Isso ajudou neste desafio de fazer estas cenas, mas, nós passamos diversos apertos.

Em “Simbad, O Marujo Trapalhão” (1976), nós tínhamos de subir uma chaminé de 25 metros, porém, no meio do caminho, os ferrinhos da escada começaram a quebrar. Nós olhávamos para baixo e falávamos: ‘Meu Deus’! Decidimos subir até o final mesmo assim. Quando chegamos no topo, os tijolos da estrutura começaram a cair. Passamos a tarde na chaminé. Foi preciso o Corpo de Bombeiros para retirar a gente de lá. O diretor não gostou nada (risos).

Já em “Os Trapalhões e o Rei do Futebol” (1986), filme que fizemos com o Pelé, pulei da árvore achando que não tinha nada. Acabei caindo em duas pedras. Rachei os dois calcanhares. Passei o resto das filmagens engessado. Para não estragar a continuidade, a contrarregra pintou o gesso de preto.

Cine Set – De todos os filmes que o senhor dirigiu, qual o seu favorito?

Dedé Santana – É como escolher o filho preferido, mas, tenho uma ‘quedinha’ pelo “A Filha dos Trapalhões” (1984). É um filme de circo, trago um pouco da história pessoal retratando meu pai e minha mãe, gosto de mostrar o Natal do circo e é o único filme em que você vai ver os Trapalhões pintados de palhaço. Aliás, tem o momento em que o Didi toca piano em que ele foi magistral.

 

Cine Set – Como você analisa a comédia brasileira na atual, especialmente, no cinema?

Dedé Santana – Apesar de não acompanhar tanto assim, eu gosto muito do Leandro Hassum, um cara que está arrasando. Ele possui algo que o Renato tem: a comunicação com a câmera. Parece que ele não está fazendo nada, mas, quando aparece na tela, é impressionante. Isso é raro. Acho a Ingrid Guimarães ótima também.

Cine Set – Quem o senhor considera como um discípulo do estilo Dedé Santana?

Dedé Santana – Eu não me considero comediante. Acho que sou mais ajudante do palhaço (risos). Ser ‘escada’ é muito difícil porque você precisa estar sempre adaptando a piada para cada humorista. Imagina fazer isso com três caras completamente diferentes?

Dentro disso, talvez, o Lucas Veloso. O filho do Shaolin tem esta mistura de ator com palhaço de circo. Eu gosto dele.

Aliás, gostaria de aproveitar a oportunidade para homenagear o Lúcio Mauro. Lembro que quando fui fazer o filme alemão “Lana, a Rainha das Amazonas”, precisei me ausentar do programa que fazia. Ao voltar, não me queriam de volta e o Lúcio Mauro, o cara da TV na época, disse: ‘se tirar o Dedé, eu vou sair’. Retomei meu emprego (risos). Era um sujeito que eu tinha não apenas o respeito artístico como inspiração para mim, mas, também por ser uma pessoa maravilhosa. Senti muito a morte dele.

 

Danilo Areosa – Voltando a falar dos Trapalhões, preciso admitir que o Zacarias era o meu favorito, mas, vendo os filmes fico impressionado com seu trabalho. Muitas vezes, as piadas funcionavam pela sua presença.

Dedé Santana – O Zacarias era meu Trapalhão favorito também (risos). O Zacarias era um grande ator. Ele era um cara que chegava no estúdio, falava bonito e, quando se caracterizava e encarnava o personagem, fazia uma voz, um andar completamente diferente. Era uma outra pessoa. O Mussum era o rei do improviso e eu e o Didi éramos os palhaços.

Cine Set – Por fim, há planos para uma nova parceria com o Renato Aragão?

Dedé Santana – Sim, temos um filme para este ano com um youtuber famoso. Mas, não posso revelar os detalhes ainda.