Uma criação coletiva entre o MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), o GRIST (Grupo Refugiados e Imigrantes Sem Teto) e a Escola da Cidade, “Era o Hotel Cambridge” conta a história de refugiados recém-chegados ao Brasil que passam a dividir com um grupo de sem-tetos os espaços de um velho edifício abandonado, no centro de São Paulo. Além da tensão diária causada pela ameaça de despejo pelas forças do Estado, os novos moradores do prédio lidam com seus dramas pessoais, a adaptação à nova moradia e as diferentes relações criadas a partir do momento em que passam a compor os movimentos sociais de luta pela moradia.

Nada na composição do longa dirigido por Eliane Caffé parece artificial ou inserido de maneira aleatória. Ciente da delicadeza e importância do tema abordado, Caffé exibe força e maturidade crescentes a cada nova cena da trama, principalmente por entender que, embora ofereça o canal, não precisa se tornar protagonista de uma luta que não é sua.

Força e maturidade estas que também se vê no excelente design de produção, que transforma o frio hotel-título em um ambiente vibrante que praticamente ganha vida e se torna um personagem por si só. Mesclando atores com personagens reais, o edifício se torna palco para os dramas familiares fictícios e verídicos. Lá, o espectador é conduzido de maneira natural por um universo montado com imagens de arquivo e encenações, tornando quase imperceptível a variação entre uma e outra e mantendo o tom documentarista da obra.

Ainda que o conflito principal mereça toda a seriedade com que é tratado, é nas divertidas interações entre os ocupantes que o roteiro brilha. Em uma espécie de confinamento onde nordestinos, palestinos, colombianos e congoleses buscam harmonia e aceitação para a convivência diária, as diferenças culturais entre os habitantes não só geram cenas hilárias como estabelecem uma profunda ligação entre aquelas pessoas. E talvez seja neste ponto em que o longa mais acerta.

É, sem dúvida alguma, desafiador produzir algo que trate de um assunto tão relevante e atual quanto a crise dos refugiados. Tão desafiador que, frequentemente, nos deparamos com filmes que se mostram intimidados pela mensagem que pretendem passar. Em “Era o Hotel Cambridge”, isto não acontece. A diretora Eliane Caffé toma as rédeas do longa e entrega um produto final tão valioso quanto a problematização nele implícita.

E assim como a liderança de Caffé é essencial para ditar o ritmo da trama, o mesmo pode se dizer do grupo de atores, que inclui os veteranos José Dumont e Suely Franco e os refugiados Isam Ahmad Issa e Guylain Mukendi, além da líder da Frente de Luta por Moradia (FLM), Carmen Silva. Atores e não atores circulam juntos em uma coabitação espontânea que busca causar reflexão nos mais “prontos” dos discursos sobre exclusão social.

Aqui, é preciso dizer que, com todas as dificuldades já conhecidas de se fazer cinema no Brasil, a obra de Eliane Caffé certamente enfrenta a maior de todas elas no momento em que é lançada nas salas de cinema: encontrar espectadores dispostos a abrir a mente para um tema muito mais complexo do que termos como “invasores” e “vagabundos” parecem sugerir.