Excentricidade.

Essa palavra combina bem com Wes Anderson.

O terceiro filme da carreira do cineasta norte-americano ressalta as estranhezas, sutilezas e experimentações que o estilo narrativo e estético de Anderson ditam. É excepcional como ele consegue transformar uma proposição simples em algo instigante, curioso e mágico. Não a magia óbvia dos contos de fada ou das poesias épicas, mas de um universo inusitado, único e original dentro de situações reais extremamente simples, como corredores de um hotel, uma sala de aula ou uma família.

Escrito a quatro mãos por Anderson e Owen Wilson – que também compõe o elenco primoroso da obra -, “Os Excêntricos Tenenbaums” acompanha a história de uma família com três crianças diferentes e prodígios, que se tornaram adultos fragilizados, que não conseguiram suprir as expectativas e dispersos. A família volta a se unir quando o pai, Royal Tenenbaum (Gene Hackman), não aceitando o divórcio e a nova união matrimonial de Etheline (Anjelica Huston) resolve voltar para casa e reunir os filhos.

Pela construção do roteiro, já se identifica o cuidado em desenvolver os personagens. Eles são desnudados desde o primeiro momento do filme, mas nunca por completo. Sabemos quem são e o que os motiva, mas durante a projeção entendemos o quanto o abandono do pai afetou o modo de vida de todos eles, em especial o trio principal. Ambos são deprimidos, inseguros e recorrem a fugas de seus sentimentos e da própria realidade. Chas (Ben Stiller) não consegue lidar com perdas, Margot (Gwyneth Paltrow) esconde segredos de todos com quem convive, não conseguindo ser honesta e transparente com ninguém e Richie (Luke Wilson), apesar de ser o filho querido de Royal, abandonou a carreira e o convívio social por não saber lidar com os sentimentos que nutre pela irmã. Eles são mórbidos, sensíveis e decepcionados com a vida.

Os personagens do universo de Anderson são perturbados, perdidos com a contradição da vida. Para compreendê-los, é preciso mergulhar nas situações irracionais do cotidiano e comprar as relações instáveis que a trama apresenta. As crianças Tenenbaums cresceram como gênios, louvados e apoiados pelos pais, mas os traumas do abandono do pai os tornaram adultos insatisfeitos com o peso que a genialidade lhes impôs. E isso reverbera em todos os outros personagens da narrativa.

Carregando o peso de um passado glorioso e um futuro incerto, eles são compostos por partículas que os preenchem e os deixam vazios ao mesmo tempo. Tudo que os circunda deixa uma marca irritantemente forte, capaz de direcionar o destino de suas vidas. É assim que todos se reúnem novamente na casa de infância, que em uma jogada de câmera surpreendente alguém opta pelo suicídio. Eles estão sempre reagindo a uma experiência de vida caótica que abarca desde a família confusa até a constante pressão pelo sucesso.

Entretanto, todo esse contexto envolvendo seus personagens, apenas confirma a realidade paralela em que a narrativa de “Os Excêntricos Tenenbaums” se situa. Apesar de o narrador estabelecer que o espaço-narrativo é Nova York, em nenhum momento isto se evidencia. Pelo contrário, até os característicos taxis amarelos são substituídos por uma companhia própria da trama, os quais, em um paralelo com os personagens, são do mesmo modelo e em estado de decadência.  Em um espiral de processo artístico estilizado, a cenografia do filme pode até tentar se pôr na Big Apple, mas ao mesmo tempo se projeta em qualquer cidade. O lar e o figurino da família Tenenbaum poderia organizá-los em diversos momentos do último século e assim a trama se encarrega de apresentar personagens perdidos em não-lugares.

A fotografia também instiga o íntimo de seus personagens. Anderson é apaixonado por simetria e com o auxílio de Robert Yeoman, que participa em outros projetos do cineasta, dialoga com o público sempre deixando claro, por meio da centralização, quem é o mais importante em cena. Todos estão sempre organizados visualmente dessa forma, com exceção de Margot, que tal como o lembrete do pai de que não pertence à família sanguínea, coloca-se no canto de tela, fora da dimensão visual projetada. Essas composições ampliam o efeito da narrativa.

No instigante mundo de Anderson, a fotografia, o design de produção são peças que conduzem a trama tanto quanto o roteiro.

É por isso que ao entrar na casa de Eli Cash (Owen Wilson) e ver seus quadros e DVDs, entende-se quem é a personagem. As cores utilizadas por cada personagem também descrevem um pouco da personalidade deles. O vermelho do agasalho de Chas e seus filhos, a tonalidade amarelada que ronda Richie e o pastel de Etheline, indicando seu papel como matriarca, chefe da família e porto seguro.

A estrutura narrativa do filme se apresenta como capítulos de um livro, que ilustra o personagem e a subtrama que estará mais em voga durante certo período. Mesmo assim, é impossível desassociar qualquer temática que não envolva Royal Tenenbaum. É preciso lembrar que toda a situação decorrente no filme é conseqüência do seu abandono de lar. Hackman chegou a ganhar um Globo de Ouro pela interpretação, mas foi frustrado pela não indicação ao Oscar no mesmo ano. Mas trazendo a obra para 2018, o personagem seria tão estimado e cativante quanto alguns os descrevem?

Royal é egoísta e a obra tenta criar uma dúvida se seu retorno para casa é devido a expulsão do hotel em que vive ou ao anúncio de casamento da ex-esposa. Qualquer que fosse a intenção dos roteiristas, não mudaria o egoísmo e insensibilidade da personagem, que não hesita em brincar com a sentimentalidade alheia. Em tempo, Royal Tenenbaum não é apenas um canalha, é um embuste de primeira linha, que só se contenta enquanto tudo fluir favoravelmente a ele. E mesmo que o final da narrativa tente suavizar os estragos cometidos por ele, não é capaz de mudar as cicatrizes que habilitam o clã como excêntrico.

A obra pode ser classificada como comédia dramática, já que ela consegue arrancar algumas risadas, ao mesmo tempo em que há elementos de cunho dramático na narrativa.  E nem toda a excelente perspicácia do texto consegue fazer com que as risadas liberadas se mantenham por tanto tempo. Porém este é um dos aspectos que facilita a assimilação dos temas e questionamentos que a obra apresenta. Anderson coloca de forma sutil morte, incesto, abandono de lar como componentes a causarem estranhamento e singularidade a narrativa.

Contudo, essa peculiaridade em criar personagens e contar uma história é o que faz com que a crítica e o público exaltem as produções de Wes Anderson. Seu terceiro filme acaba por evidenciar o espaço construído pelo diretor e mostrar que muito mais do que histórias cotidianas contadas com um jeito inusitado, ele é capaz de reunir um bom elenco e dar espaço para que todos tenham seu momento de importância sem serem ofuscados por ninguém, mas brilharem como um conjunto. Esse é o poder da magia de Anderson. É o poder de seu universo.