É interessante notar como “Loveless”, o novo trabalho de Andrey Zvyagintsev, trabalha sob as mais variadas formas de sombra. As mais aparentes, na verdade, nem se tratam sobre elementos do próprio filme: o projeto, como um todo, parece existir sob a sombra de “Leviatã”, seu trabalho anterior que tornou seu nome famoso fora do circuito de arte (ele concorreu ao Oscar de Filme Estrangeiro), e, mais amplamente, sob a sombra de outro Andrey, o Tarkovsky, cujas imagens de contemplação da natureza se tornaram um ponto de referência que nenhum diretor russo é capaz de ignorar.

O conteúdo de “Loveless”, no entanto, é igualmente sombrio: o realizador compõe um cenário de uma Rússia urbana completamente desconectada com as suas emoções, usando como ponto focal um casal desestruturado, à beira de um divórcio, que precisa unir forças para procurar seu filho, que fugiu de casa após uma discussão doméstica.

Qualquer cineasta americano teria usado essa premissa como ponto de partida para uma jornada de autodescoberta e de reaproximação do casal. A provação do filho perdido poderia dar a chance do par desgastado de renovar o amor e a trama poderia nos levar a uma reafirmação do matrimônio, com direito a alguma cena em uma reunião de pais e mestres no fim do filme, em que ambos comparecem para acompanhar o desempenho do filho na escola.

Zvyagintsev não poderia estar menos interessado nisso: a realidade de seu panorama expõe o vácuo do menino sumido, não como um ponto isolado de perda, mas como mais um acontecimento perdido no vazio da vida daquelas pessoas.

Boris (Aleksey Rozin) é um pai ausente que se preocupa mais com o status de casado do que plenamente com o sentimento envolvido em ter uma família. Para ele, casamento é uma convenção social e, na gana de não ficar sem ela, ele já engravida a mulher com quem traiu sua esposa para garantir sua posição com ela.

A esposa em questão, Zhenya (Maryana Spivak), aparece com alguém que se viu num casamento infeliz e que, livre e ciente de sua beleza, se envolve com um homem mais velho que pode lhe dar status e boa condição social, ao mesmo tempo em que lhe permite esquecer de sua vida prévia, passando por cima do fato de que seu novo amante lhe é emocionalmente indiferente.

No meio de tanto desamor, Zvyagintsev aproveita para atirar contra a hipocrisia da religiosidade na Rússia (através do chefe de Boris, que demite empregados divorciados), contra a inaptidão dos políticos (numa cena, uma cabeleireira fala que sua filha quer ser política porque “não é preciso estudar para isso”) e contra o distanciamento da realidade causado pelas redes sociais. Zhenya, em particular, é mostrada compartilhando sua vida nos momentos mais inoportunos como uma forma de escapar de sua situação.

O ambiente, tanto natural dos parques e florestas devastados pelo inverno, quanto o feito pelo homem, como prédios e pátios abandonados, viram o reflexo da apatia e da esterilidade sentimental dessa gama de personagens que não conseguem alcançar algo de real em si mesmos nem diante da situação mais dolorosa. Longe de conclusões fáceis e dotado de um profundo niilismo, “Loveless” é um filme obscuro que nos pede, enquanto espectadores, que também façamos parte das sombras que o envolvem e o observam.