Na crítica sobre Caça Aos Gângsteres, falei sobre os filmes relacionados à máfia, que eles fazem parte da história do cinema, e retratam um momento marcante norte-americano, em um mundo bem diferente do que conhecemos hoje.

Pois o mundo se modernizou, e os grandiosos esquemas criminosos, familiares ou não, foram descobertos e desmantelados pela polícia, ou todos acabaram se mataram com o passar do tempo. Hoje, o nome máfia não é mais utilizado para definir os grupos criminosos, que são liderados por traficantes de drogas, de modo geral, e mesmo que as relações de poder que existem entre eles e os seus clientes, subordinados e rivais possuam certas semelhanças com as da máfia, elas certamente não são mais a mesma coisa, visto que as facções criminosas não se caracterizam mais por ter homens de sobretudo, bem vestidos em um mundo repleto de glamour e femme fatales.

E O Homem da Máfia nos apresenta a este mundo em 2008, no auge da crise econômica norte-americana, e às vésperas da eleição presidencial que elegeria Barack Obama como o seu novo representante. Neste mundo economicamente frágil, Johnny Amato (Vincent Curatola) tem a ideia de assaltar o dono de uma casa de jogos, Markie Trattman (Ray Liotta), e pra isso contrata os bandidos amadores Frankie (Scoot McNairy) e Russell (Ben Mendelsohn). Após isso o matador Jackie Cogan (Brad Pitt) é contratado para descobrir quem foram os autores do roubo, e essa investigação vai deixar um enorme rastro de sangue pelo caminho.

Falando de maneira vulgar, poderia afirmar que O Homem da Máfia tem um começo excelente, um meio decepcionante, e um final… que conclui a trama. Falando dessa forma pode até parecer que essa é uma análise superficial do que é o filme (e talvez seja), mas acredito que essa divisão seja bastante clara.

A cena do roubo é, certamente, uma das melhores do ano de 2012,construída de maneira crua e com muito suspense com dois belíssimos planos-sequência, que abrem e fecham a cena. Percebemos ali a real atmosfera do mundo em que aqueles dois idiotas estão se metendo, ficando claro que é só naquele momento que eles percebem a besteira que fizeram.

Mas apesar de todos os personagens criados pelo diretor e roteirista Andrew Dominik, baseados no livro de George V. Higgins, serem interessantes de acompanhar, eles não justificam um segundo ato tão morno e sem foco. Fica claro que nessa parte do filme, o diretor quis mostrar de que forma as consequências daquele assalto seriam refletidas nos seus personagens, em um momento nitidamente voltado para a psicologia dos mesmos. Mas o filme paga um preço por isso, tornando-se chato, algo completamente decepcionante tendo em vista os primeiros 30 minutos de filme.

Acredito que apenas o personagem de Brad Pitt consegue se manter totalmente interessante do início ao fim do filme, fazendo com que o segundo ato auxilie no seu desenvolvimento. Mas acredito também, que isso se deve majoritariamente ao talento e carisma de Pitt. Mickey, o personagem de James Gandolfini, apesar de indiscutivelmente ser bem interpretado, atravanca o ritmo do filme. Mesmo que o personagem traga um interessante olhar sobre uma possibilidade de futuro sobre o que vai ser da vida desses matadores, ele chega, ocupa o filme por quase 30 minutos, e não move a trama para lugar algum. A impressão que fica é que todo esse momento foi um parêntese enorme inserido no meio do filme, e que somente após concluído, foi pensado, bom, agora podemos voltar a contar a história que interessa.

E as quase onipresentes inserções sobre o mundo econômico e político da época funcionariam melhor se inseridas de maneira mais discreta e pontual. Em todos os bares as TVs estão falando sobre isso, todas as esquinas tem um outdoor que fala das eleições, e em todos os carros, o rádio também fala acerca disso. Tudo bem que a intenção é a de causar a impressão que isso está o tempo todo na vida dessas e de todas as pessoas do país, mas poderia haver uma forma de se fazer isso de maneira mais competente.

Mas não se pode fazer injustiças, pois a direção de Andrew Dominik é daquelas que fazem com que a gente espere ansiosamente pelo seu próximo trabalho. Diretor do muito bom O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford (2007), Dominik possui um olhar muito aguçado para o visual do seu filme, com planos e enquadramentos bastante interessantes, além de ter uma notável capacidade na direção de atores e na criação de atmosfera em determinadas cenas. Além da já citada sequência do roubo, a cena em que um dos personagens é espancado na chuva, o improvável diálogo entre dois personagens, em que um deles está completamente chapado, e o assassinato em câmera lenta (apesar de apresentar alguns excessos) são momentos excepcionais, em que fica claro que há um bom diretor por trás de tudo isso.

Se todas as atuações, sem exceção, são muito boas, claramente as de maior destaque são as de Scoot McNairy e Ben Mendelsohn. O primeiro por demonstrar uma convincente fragilidade por entrar em um mundo que claramente não pertence, e o segundo por se mostrar alheio a tudo, sempre com uma aparência imunda e distante em um papel bem mais difícil do que possa parecer. Ah, destaque também, claro, pra Brad Pitt, com o seu tom sempre seco e cruel perante as situações que vive, fazendo com que a sua filosofia, de mata-los suavemente, fique muito bem representada.

É bastante triste e preocupante saber que este longa não passou pelos cinemas daqui, visto que além de ser um filme popular de qualidade, que com certeza teria um grande apelo perante o público, possui Brad Pitt no elenco, e nem isso foi capaz de chamar a atenção dos cinemas daqui, que evidenciam cada vez mais que não estão nem um pouco interessadas em trazes atrações variadas para o seu público, optam sempre pela mediocridade e pelo caminho mais preguiçoso, contentando-se apenas com os blockbusters americanos.E claro, dublados.

NOTA: 7,5