A gente costuma se perguntar se o estilo de tal filme serve à história, mas acho que uma pergunta mais proveitosa talvez seja: a história serve ao estilo? Enquadrando a questão por esse ângulo, dá pra entender por que os filmes de Park Chan-wook têm uma tendência a me torrar um pouco a paciência conforme avançam. 

Aqui está a mais nova empreitada do sul-coreano: “Decisão de Partir”, que tem feito sua ronda pelos festivais de sempre ao redor do mundo. Espere por temas como obsessão e violência, floreios de estilo e o zigue-zague rocambolesco da trama. O que significa dizer que as marcas registradas de Park estão todas aqui – para o bem e para o mal. 

Desta vez, a relativa simplicidade da trama trabalha ao seu favor. Após a morte de um alpinista, o detetive Hae-jun (Park Hae-il) é chamado para investigar o caso. As circunstâncias apontam para a viúva do falecido, Seo Rae (Tang Wei), uma imigrante chinesa. Mas Hae-jun luta a todo custo contra as suspeitas levantadas; é que o policial se vê irremediavelmente atraído pela mulher. 

O íntimo e o sensual

A plot detetivesca escancara a dimensão sensual (e obsessiva) do trabalho de Hae-jun. Esse é um cara que cede sua atenção microscópica às pequenas oscilações, rupturas, desvios – tudo que pode auxiliá-lo numa cena de crime. Há, talvez, uma sensualidade no grotesco dos corpos estraçalhados, esmagados, na fisiologia humana que se escancara. 

Esse fascínio com o humano é mediado pela tecnologia – leia-se, os gadgets que auxiliam o detetive em seu trabalho. São as telas que sobrepõem as imagens captadas em um interrogatório, o smartwatch onde o detetive grava suas notas de voz, o rastreador no celular. 

Há, justamente, uma tentativa de tocar o outro, de estabelecer uma intimidade através das telas – algo que aparece, por exemplo, no modo como Park sobrepõe os espaços no filme: se os personagens se falam ao telefone, então Park representa os dois no mesmo cenário, mesmo que, na realidade, estejam em locais distintos. 

É um filme, portanto, que entende a dimensão háptica de uma investigação – tema que destrinchei anteriormente em meu texto sobre “No Calor da Noite”. Mas não é só a relação com a tecnologia que surge como novidade; aqui, o detetivesco encontra a obsessão romântica, no melhor estilo Hitchcock de “Um Corpo que Cai”

Território depalmeano

O que também significa dizer que Park está transitando pelo território depalmeano: o uso da tecnologia como aliciador de, ao mesmo tempo, uma proximidade voyeurística e de um jogo de perspectivas cambiantes remetem ao cinema do De Palma (penso, pra ser preciso, no subestimado “Olhos de Serpente”). Isso se dá, formalmente, na já mencionada sobreposição de telas – que operam um campo-contracampo simultâneo – e de espaços – unindo personagens que, na realidade, encontram-se distantes. 

Mas, estruturalmente, “Decisão de Partir” também abraça essa duplicidade ao incorporar uma estrutura em duas partes, em que a segunda é um perfeito espelho da primeira. E é justamente aqui que o interesse começa a desvanecer e a gente começa a sentir vontade de checar o relógio… 

Através do espelho

O formalismo hiperbólico de Park geralmente também é refletido nas suas tramas recheadas de viradas e sub-plots. Aqui, ele não só atocha diversos detours em uma história, em essência, simples, como aposta nessa estrutura espelhada que se revela gradativamente, pacientemente. Ou seja, justamente por essa estrutura, parece inevitável que alguns bocejos ecoem na escuridão do cinema. 

Ainda bem, então, que Park retorna com força total bem a tempo do seu clímax, aterrador e inconclusivo em igual medida. No processo, ele cria imagens que queimam nossas retinas e marcam nossos cérebros, como se fossem delírios febris de uma mente hiperativa. Se o preço para chegarmos lá são uns 15 ou 20 minutos de lentidão, então, meus amigos, parece que temos uma barganha em mãos.