É estranha a sensação de reencontrar, anos depois, algum conhecido da época da escola. Não apenas porque você vê os efeitos do tempo sobre essa pessoa e imagina esses mesmos efeitos sobre você. Mas especialmente porque, na sua mente, você também teme que o seu ex-colega ache que você não mudou nada. A sensação de permanecer o mesmo é tão assustadora quanto à de ter mudado demais, e o suspense O Presente traz essa noção como um interessante subtexto dentro da sua narrativa.

Tudo começa quando o jovem casal Simon e Robyn (interpretados por Jason Bateman e Rebecca Hall) encontra um sujeito que se diz ex-colega de escola do marido. Gordon, ou “Gordo, o esquisito”, é interpretado por Joel Edgerton e não parece ser um cara com muitas habilidades sociais. Ele também oferece presentes de forma meio misteriosa e inoportuna, e tem uma filosofia positiva – “as coisas ruins da vida também podem servir como presentes”, ele diz num determinado momento. Simon, no entanto, sempre se mostra um pouco desconfortável na presença de Gordon, chegando até a suspeitar que o sujeito possa estar interessado na sua esposa. A nascente e estranha amizade é interrompida, mas aos poucos Robyn fica cada vez mais absorvida pelo misterioso estranho e vai descobrir fatos sobre o passado do marido, especialmente sobre como ele se relaciona com Gordon.

O Presente é uma produção da Blumhouse, produtora de um dos “reis Midas” atuais de Hollywood, Jason Blum, especializado em trazer para as telas produções de suspense e terror como Sobrenatural (2011). O nome da Blumhouse já traz expectativas, mas O Presente é um trabalho diferente. O filme é roteirizado e dirigido por Edgerton, que aqui faz a sua estreia como diretor de cinema. Trata-se de um ator que esteve muito bom, consistente e discreto, por exemplo, em filmes como Guerreiro (2011), O Grande Gastby (2013) e A Hora Mais Escura (2012). Já em Êxodo: Deuses e Reis (2014) e Aliança do Crime (2015) ele já não esteve tão bem, se mostrando caricato e cheio de tiques. Em O Presente ele está excelente, tanto à frente das câmeras, com uma atuação esquisita e um visual meio “oriental” que transmite a natureza debilitada do seu personagem; quanto atrás das câmeras, com uma direção segura, enquadramentos precisos e extraindo ótimas interpretações dos seus dois atores principais.

Hall e Bateman sustentam o filme, pois Edgerton se mostra até um diretor generoso e seu personagem aparece bem menos que os outros. Hall é segura e carismática como sempre, e Bateman, mesmo conhecido por várias comédias, comprova mais uma vez ser um forte ator dramático, capaz de segurar as pontas de um personagem cuja percepção se altera aos olhos do público ao longo da trama. Já Edgerton cria o suspense com uma bem elaborada direção de arteO Presente é mais uma evidência de que as casas com paredes de vidro são ideais para tramas de suspense – e com direito até a uns dois momentos de susto muito efetivos, capazes de fazer a plateia pular no assento.

Mas seu principal aliado é mesmo o roteiro bem urdido e construído. Na primeira metade do filme, o roteiro brinca com as percepções do público ao usar elementos já conhecidos dos “suspenses domésticos” do cinema. Imaginamos, a princípio, que o cachorro do casal, por exemplo, possa ter o mesmo destino do coelhinho de Atração Fatal (1987), e o que acontece com ele sinaliza a subversão dos clichês desse tipo de filme, a qual vemos na segunda metade do longa. É quando percebemos que Edgerton está interessado em algo mais dramático e interessante, e não em apenas reciclar coisas já vistas em outros filmes. Mesmo assim, seu roteiro ainda inclui sutis e curiosas referências a O Bebê de Rosemary (1968) e a dois novos clássicos do gênero, Se7en (1995) – há uma caixa no final – e Os Suspeitos (1995).

A exposição do passado de Simon e Gordon é feita de maneira crível e gradual, e a cada descoberta de Robyn o drama da situação aumenta – a partir daí o filme traz surpresas que não devem ser estragadas para o espetador. Mas não deixa de ser uma forte ironia dramática o fato de o casal viver numa casa com tantas paredes de vidro, e a sua convivência ser marcada por uma grande falta de transparência. O Presente acaba sendo sobre muitas coisas: sobre invasão doméstica e de privacidade, sobre efeitos do bullying, sobre como pequenos incidentes da infância muitas vezes determinam quem somos. Mas acima de tudo, é um filme sobre como uma mulher pode não conhecer de verdade o seu marido. O estranho que invade as vidas de ambos, no entanto, o conhece: afinal, ele o viu sem amarras ou inibições, quando criança. Gordon sabe que alguns não mudam tanto assim, apesar dos anos e dos eventos da vida, e é essa a sensação mais assustadora que fica com o espectador ao final deste inteligente e forte suspense.