Depois de precisar cancelar a edição presencial da Mostra de Tiradentes dias antes do início em janeiro deste ano, a Universo Produções se preparou para tornar a Mostra de Cinema de Ouro Preto como o ponto de reencontro dos grandes eventos de audiovisual em Minas Gerais. Sem sustos desta vez, a histórica cidade recebeu entre os dias 22 e 27 de junho um evento focado em prestigiar e dar visibilidade à produção indígena do Brasil.

Os números dão a dimensão do positivo impacto econômico do Cine OP 2022: mais de 150 empresas mineiras, sete hotéis e pousadas e nove restaurantes contratados para prestarem serviço, cobertura jornalística de 23 veículos de imprensa, representados por 28 jornalistas (entre eles, nós, do Cine Set), mais de 20 mil pessoas presentes nas sessões na Praça Tiradentes e no Centro de Artes e Convenções, mais de 40 mil acessos vindos de 38 países registrados na programação online na plataforma do evento e mais de 2 milhões de alcance nas redes sociais.

Coordenadora deste imenso desafio, Raquel Hallak reservou um tempinho para conversar com o Cine Set sobre o que representou o Cine OP 2022 e de políticas públicas para o audiovisual.

Cine Set – Como você analisa a realização do Cine OP 2022 dentro do contexto da retomada de eventos presenciais considerando os aspectos educacionais da mostra e a homenagem ao cinema indígena? 

Raquel Hallak – São muitos significados. Primeiro, retornar ao presencial, afinal, é a essência de um festival promover o encontro entre as pessoas. Chegamos aqui carregados de emoção e expectativa. Pudemos também celebrar o cinema dos povos originários em uma proposta inovadora com seleção de filmes assinados por indígenas. Estar em Ouro Preto é inspirador, uma cidade de pura história que dialoga diretamente com a mostra.  

O Cine OP é o único evento do Brasil e do mundo dedicado à preservação, história e educação. Também é marcante tantos conteúdos reunidos aqui, incluindo, 31 filmes produzidos exclusivamente em escolas e instituições não-formais na Mostra Educação. Contamos ainda com 19 projetos educativos voltados para o audiovisual.  

Foi, sem dúvida, uma edição muito potente com trocas de ideias, experiências e intercâmbios. Para além de missão cumprida, o Cine OP 2022 aqueceu a alma. 

Cine Set – Durante os dias do evento, me surpreendi com as mesas de debates de preservação com os arquivistas, por exemplo, que trouxe tanta coisa do passado, mas, que reverbera muito hoje em dia. Além de discutir a fundamental importância da memória e da preservação, houve um cuidado em alertar para a manutenção dos mecanismos de funcionamento do cinema brasileiro. Você como diretora do Cine OP, Cine BH e da Mostra de Tiradentes, gostaria que falasse sobre a importância desta estrutura para o cinema brasileiro.  

Raquel Hallak – A cultura e o cinema precisam de políticas públicas federais, estaduais e municipais para alimentar toda uma cadeia produtiva geradora de empregos, renda e desenvolvimento social. Logo, não se pode olhar para o setor apenas no campo romântico, do entretenimento; precisa-se enxergar a área como uma indústria de ponta. Não se trata de uma questão exclusiva do Brasil, mas, sim mundial. 

Quando pensamos em um programa como o ‘Cinema Sem Fronteiras’ olha-se de forma integrada, iniciando sempre em janeiro com o foco no cinema brasileiro contemporâneo em Tiradentes, passa para o Cine OP trazendo o debate sobre educação, história e preservação até chegar no Cine BH, em setembro, com questões relativas a mercado.  

Neste ano, foi interessante como o cinema indígena se encaixou na proposta do Cine OP, dialogando com as três temáticas. Houve uma conexão curatorial de propostas e conceitos. Se puder definir em uma palavra para definir esta mostra escolheria diversidade. 

Foi uma mudança de paradigma trazer o cinema das minorias, o cinema indígena que não tem acervo. Claro que, no primeiro momento, gerou estranheza, mas, o Cine OP buscou lutar por esta necessidade urgente de se dar valor cinematográfico a estas obras e a defesa de que os filmes dos povos originários entrem definitivamente na cinematografia brasileira, saindo da invibilização que sofrem em todos os sentidos. 

Isso se tornou uma missão coletiva de todos que pensaram e ajudaram esta mostra, incluindo, os nossos curadores. Agradeço também ao público que comprou esta percepção e sensibilidade de fazer desta edição além de um momento histórico de discussão e reflexão, mas, também de valorização do cinema indígena marcado por obras que retratam a sociedade e seus costumes. Reconhecer isso é reconhecer o Brasil, afinal, somos um país em terra indígena.

Entrevista concedida durante a Mostra de Cinema de Ouro Preto 2022.