Aqui temos um filme muito bonito, que não chega a se tornar grandioso por um simples motivo: falta de confiança em si mesmo. Explico.

“A Flor do Buriti” conta a história dos Krahô, população indígena do Norte do país. Vemos o dia-a-dia desses homens e mulheres. A pequena Jótat tem tido dificuldades para dormir. À noite, parece, seu espírito se desprende do corpo – um grande problema, que pode resultar em terríveis aflições para a pequena. Nas suas perambulações noturnas, passado e presente se misturam e cenas de violência contra os Krahô em seu território se desenrolam.

Ao mesmo tempo, a mãe Patpro e o tio Hyjno conversam sobre o estado geral das coisas. Haverá uma grande manifestação em Brasília. Os dois pretendem marcar presença. À noite, o tio toma conta da guarita que protege a terra do seu povo. De dia, dá banho de rio no seu bebê e rememora os tempos de infância com a esposa.

Tudo isso é filmado de forma altamente poética por João Salaviza e Renée Nader Messora. Algumas imagens são mesmo inesquecíveis: um boi bravo que assombra duas crianças na noite na floresta, as maracás de um pajé iluminado pela luz da fogueira, rostos recortados pelo céu estrelado. É mais do que suficiente para transportar o espectador, fazê-lo sentir na pele quem são aquelas pessoas, como é sua vida, o que é sua terra.

E, no entanto, um certo quê discursivo parece querer se infiltrar em “A Flor do Buriti” a todo momento, como se precisasse justificar a nobreza desses personagens. A personagem da professora, uma das poucas aliadas que os Krahô parecem ter, exemplifica essa tendência.

Outro exemplo: quando Patpro, já em Brasília, fala da “mulherada guerreira” que não tem medo de cupé, ou seja, dos brancos. A fala deveria soar inspiradora, brava, símbolo da resiliência daquele povo, mas nos chega como artificial e redundante. Afinal de contas, momentos antes vimos a força dos protestos indígenas em Brasília, ouvimos seu canto, escutamos suas palavras de ordem. Do que mais precisamos?

Ou seja: falta de confiança do filme nas suas próprias imagens. As cenas noturnas capturadas por Salaviza e Messora seriam mais do que o suficiente para fazer de “A Flor do Buriti” uma experiência enriquecedora.