O cinema é realmente uma arte que se retroalimenta e conecta o mundo: é possível traçar uma linha de Metrópolis (1927), de Fritz Lang, com sua cidade futurista impressionante e seu retrato de uma revolução, até Blade Runner (1982), de Ridley Scott, com sua Los Angeles orientalizada e seu debate sobre o que significa ser humano, até Akira (1988) de Katsuhiro Otomo, um dos longas animados mais influentes e admirados das últimas décadas. O filme está completando seu 35º. aniversário, e ainda permanece um trabalho impressionante.

A exemplo de Metrópolis e Blade Runner, em Akira, a ambientação também é primordial para a história. Baseada no mangá homônimo também criado por Otomo, o filme começa com a explosão de uma bomba atômica e logo estamos na Neo Tóquio futurista de 2019 – mesmo ano em que se passava o filme de Scott. Na abertura, conhecemos os amigos Kaneda e Tetsuo, que fazem parte de uma gangue de motociclistas. A Neo Tóquio foi construída ao redor da cratera da antiga detonação atômica e, apesar do progresso tecnológico, é, na verdade, uma distopia com um forte Estado controlando tudo e protestos nas ruas.

A corrida de motocicletas no início do filme nos apresenta ao universo da história e ainda impressiona pela força visual. O trabalho de animação em Akira, feito anos antes da computação gráfica virar o padrão para esse tipo de filme em todo o mundo, permanece poderoso: os movimentos dos personagens são fluidos – repare nos cães perseguindo alguns personagens e se maravilhe de verdade com a animação deles – e o design da cidade e das motos é criativo e acabou se tornando icônico. A Neo Tóquio é tão marcante para o cinema de fantasia quanto a Los Angeles de Blade Runner. Claro, um ou outro elemento do design hoje já não funciona tão bem, mas, de modo geral, Akira ainda é um grande espetáculo.

DISTOPIA ASSUSTADORAMENTE REAL

A moto de Tetsuo, no entanto, acaba colidindo com um estranho fugitivo, uma criança que parece muito idosa. Esse ser, e outros como ele, são a chave para uma entidade poderosa e enigmática chamada Akira, que está sendo mantida sob controle pelo governo. Devido ao acidente, Tetsuo acaba desenvolvendo estranhos poderes e Kaneda se envolve com um grupo de resistência que representa a única chance para salvar seu amigo.

É interessante como em Akira, Otomo faz uso de elementos sci-fi de filmes que o precederam, inclusive ocidentais, e os incorpora à experiência: alguns momentos de violência – não é filme para crianças, de fato – misturados com um humor sombrio trazem à mente cenas de RoboCop (1987), de Paul Verhoeven; já outros momentos apresentam um horror corporal digno de David Cronenberg. Tetsuo vai, ao longo da trama, se transformando em algo diferente, e certas cenas dele usando seus poderes mentais lembram Scanners: Sua Mente Pode Destruir (1981), do cineasta canadense.

E os temas com que Akira trabalha só enriquecem sua narrativa. Diferente de várias distopias do cinema, a do filme parece assustadoramente real, 35 anos depois: os protestos e a violência urbana são observáveis hoje em qualquer grande metrópole. E no subtexto, nas entrelinhas, vive o fantasma das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki: o filme começa com uma explosão e termina com outra, porém nesse desfecho Otomo introduz uma interessante noção de renascimento como algo positivo, como uma espécie de novo passo na evolução do homem – de novo, algo que parece remeter ao 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick.

INFLUÊNCIAS MIL

Perto do fim, a viagem metafísica, colorida e violenta de Akira começa a ficar ainda mais estranha, o que arrisca alienar o espectador. Mesmo assim, o que fica é uma experiência única – apesar de ser possível identificar as referências presentes na história de Katsuhiro Otomo, sua criação é especial, seu “monstro de Frankenstein” é particularmente único. E de quebra, influenciou grande parte do cinema de ficção-científica que veio depois.

Afinal, Akira foi um dos primeiros animes a se popularizar no Ocidente, e foi a primeira animação japonesa que muitos cineastas de hoje viram. Sem ele, não teríamos a vertente cyberpunk da ficção-científica, nem “Matrix” (1999) anos depois. A moto de Kaneda apareceu com destaque em Jogador No. 1 (2018), de Steven Spielberg. O gênero deu a volta completa com Blade Runner 2049 (2017): o holograma gigante da Ana de Armas projetado na Los Angeles futurista naquele filme é bem parecido com alguns que vemos em Akira.

Alguns filmes na história do cinema fizeram a ponte entre o Oriente e o Ocidente. Este é um.