A inocência que esbarra em uma parede de tijolos chamada preconceito. Se essa ideia governante resulta em um conto moral sobre o esfacelamento dos sonhos, do ideal norte-americano de sucesso e felicidade ou se é uma história Coming of age, pouco importa. O que é mais significativo em “Armageddon Time” é que se trata do filme mais pessoal de um dos artesãos do cinema contemporâneo: James Gray. 

O cineasta norte-americano desde o espaço, onde esteve em seu último filme, “Ad Astra”, para voltar a um solo tão familiar, aquele que chama de lar inclusive: a cidade de Nova York. Paul Graff é um menino branco, judeu, ruivo e de compleição delicada que se sente deslocado no ambiente doméstico ou público. Seu Oásis é o avô – pape que cabe a Anthony Hopkins – que o mima e fala sobre coisas que considera relevantes.  

Conhecemos o protagonista de “Armageddon Time”, sua família, seus amigos na escola e especialmente Johnny (Jaylin Webb), o único menino negro que estuda com Paul e que será responsável por uma transformação imediata nele. 

Michael Banks Repeta é o cometa que irrompe pela tela, como intérprete de Paul. Demonstrando um domínio invejável para alguém tão jovem, ele joga com delicadeza, impertinência e desolação num equilíbrio bonito. Anne Hathaway é Esther e Jeremy Strong, Irving, os pais de Paul. 

Jornada de amadurecimento 

Até metade da jornada, tudo vai bem em termos de desenvolvimento em “Armageddon Time”. Paul faz peripécias típicas da idade, descobre o racismo, o ódio de classe; ao mesmo tempo em que tem problemas de comunicação com os pais e persegue o sonho de ser desenhista ou artista gráfico. Os problemas começam justamente quando o filme está da metade até o seu final, com várias situações sendo bem previsíveis no seu andamento e desfecho além da falta de tonalidades em personagens como Johnny ou Esther. 

Para além de Paul, o único que tem uma curva interessante é Irving. O diálogo que ele tem com o filho no carro, falando sobre como o avô de Paul e o sogro dele nunca o tratou diferente, por mais que ele fosse pobre e como ele sempre quis se tornar uma pessoa digna é comovente e bem encaixado na trama. 

Veterano, o fotógrafo iraniano Darius Khondji faz mais um trabalho bem-feito mas longe da genialidade de “Ladrão de Sonhos” ou “Era Uma Vez em Nova York” (esse segundo, outro filme de Gray). E por falar em “Era Uma Vez em Nova York”, que não deixa de ser uma jornada de desilusão, paixão e amadurecimento de uma imigrante na grande maçã, faltou sutileza e imprevisibilidade a essa mais nova obra de Gray. Talvez por se tratar de algo que lhe fale muito ao coração, na falta de um certo distanciamento emocional para evocar um brilho artístico, “Armageddon Time” se torna pouco memorável ao fim da sessão. 

Produzido pela RT Features de Rodrigo Teixeira, o filme de James Gray é evocativo de um tempo onde as tradições moldavam mais a personalidade dos jovens do que a virtualidade. E pode ser assistido na Mostra de SP, estreando nos cinemas brasileiros no final de outubro.