Com o cérebro zunindo, ainda chapado com a magia do cinema, eu só pensava em uma coisa após a sessão: como? Como esse filme foi feito? Como essas milhares de pessoas reunidas em torno de um homem, James Cameron, realizaram isso que agora nos assalta a vista? Como conceber o esforço hercúleo que esse filme transparece em cada frame? 

Hercúleo, sim, mas a medida exata desse esforço só nos é dada pelo fato de que simplesmente esquecemos que estamos diante de um filme. Não, não se trata de esquecer que Pandora é um mundo fictício, mas sim de desfazer nossas amarras, tirar aquele pé atrás, abrir o peito por completo. Em outras palavras, é um filme que faz adultos gritarem com a tela. 

Mas a pergunta mais importante é: como pode um homem ser tão bom criando continuações? De “Aliens – O Resgate” a este “Avatar – O Caminho da Água”, passando, é claro, por “O Exterminador do Futuro 2 – O Juízo Final”, James Cameron nunca deixa a peteca cair – o que não pode ser dito dos diretores que assumem suas franquias depois dele. 

Sorte nossa, então, que os próximos longas em Pandora serão todos capitaneados pelo canadense. Ainda resta descobrir quantos filmes serão – a depender da bilheteria de “Avatar – O Caminho da Água”, que precisa se tornar um dos maiores sucessos de todos os tempos para, no mínimo, começar a se pagar.  

Seria este filme, portanto, uma aposta colossal, absurda e insensata por parte dos executivos da 20th Century Studios? Pode ser. Mas o mundo do cinema está precisando de apostas colossais e insensatas – e, principalmente, de gente insana o suficiente pra topar o desafio. Tom Cruise e seu compromisso baziniano com o realismo é um deles; James Cameron e suas explorações aquático-digitais é outro. O mais impressionante nisso tudo não é que Cruise e Cameron banquem a aposta; é que eles, contra tudo e contra todos, vençam-na, em nome do cinema (e de seus egos). 

Realismo irreal 

Se o primeiro “Avatar” chegou para popularizar de vez o 3D no cinemão, Cameron quer, desta vez, cimentar o uso dos 48 frames por segundo – o dobro de uma projeção normal. O resultado? A imagem cristalina durante a movimentação dos personagens, sem borrões – um hiper-realismo digital que de real não tem nada, nesse mundo inteiramente feito de CGI. 

Esse paradoxo chega mesmo a dar um nó na nossa cabeça; “Avatar – O Caminho da Água” se coloca ali, na nossa frente, encarando-nos, como quem diz “lide comigo”; parece mesmo um ponto de virada no cinema – como o filme original já havia sido, 13 anos atrás. 

E se lá acompanhávamos a transformação do militar Jake Sully (Sam Worthington) em um guerreiro de Pandora, aqui já o encontramos totalmente assimilado aos Na’vi. Ele e Neytiri (Zoe Saldana) agora têm toda uma ninhada para cuidar: a caçula Tuk (Trinity Bliss), o rebelde Lo’ak (Britain Dalton) e o primogênito Neteyam (Jamie Flatters).  

Isso sem falar nas crianças adotadas: Kiri, uma adolescente Na’vi interpretada por Sigourney Weaver, fruto misterioso da Avatar de sua personagem do primeiro filme; e Spider (Jack Champion), um humano deixado para trás que hoje convive com o clã dos Sully. 

Fechando o núcleo principal, temos o retorno do Coronel Quaritch (Stephen Lang), que desta vez reaparece clonado como um Avatar. Naturalmente, assim que abre os olhos, seu objetivo passa a ser caçar Sully e sua prole. 

Percebe-se, então, que o foco desse filme é a família. Mais precisamente, as dificuldades de ocupar um lugar dentro do núcleo familiar. Sully repete diversas vezes que “um pai protege”, e sua paranoia protetora o faz tratar suas crianças como a um esquadrão. Spider, o humano que queria ser Na’vi, sente que nunca será totalmente aceito entre os Sully, ao mesmo tempo que sua contraparte humana deixa a desejar, digamos assim. Lo’ak, tentando desesperadamente descobrir seu valor, acaba fazendo amizade com uma baleia alien ostracizada (confiem em mim, essa subplot vai te fazer querer ser amigo de uma baleia). Sem falar na Kiri, concepção milagrosa e inexplicável, que se sente uma aberração por não saber quem é seu pai. 

Tudo isso pode soar familiar, mas o espetáculo visual no qual esses personagens estão imersos não é nem um pouco. Atípico também é a maestria de Cameron ao entrelaçar essa meia dúzia de arcos com algumas das cenas de ação mais fantásticas do ano – se não fosse por “Top Gun”, elas tomariam o primeiro lugar, com certeza. 

Menciono “Top Gun: Maverick”, mas o escopo desses dois filmes é muito dissimilar. “Avatar – O Caminho da Água”, já disse, parece ser uma espécie de filme-limite dentro do cinema digital contemporâneo. Resta saber do que o cinema será capaz daqui pra frente. A porta parece ter sido aberta por Cameron. Ele quer nos mostrar o caminho.