Chegamos ao penúltimo episódio de Better Call Saul. Neste segmento, intitulado “Waterworks” (uma expressão em inglês que pode designar tanto um sistema hidráulico, como pode ser usado como sinônimo de pranto ou choradeira), sente-se o peso do passado e de todos os episódios anteriores. Gene e Kim o sentem – sim, ela retorna aqui, e tudo que aconteceu entre eles cobra seu preço.

É um episódio bem triste, sem quase nada do humor que a série quase sempre teve. Vince Gilligan, criador de Breaking Bad e co-criador de Better Call Saul, o dirige com sua câmera quase impassível, cirúrgica, criando alguns belos planos que ressaltam a pequenez e a tristeza dos personagens. É uma devastadora hora de TV/streaming.

A CONSCIÊNCIA QUE FALTA A GENE

Para começar, reencontramos Kim! Está morena! E a vida dela também é em preto-e-branco: ela vive uma existência modorrenta na Flórida, com um marido que fala “Yep!” durante o sexo, e cuja maior preocupação parece ser colocar ou não maionese no sanduíche. Ela trabalha em uma firma que fabrica tubos e sistemas de irrigação – uma das várias alusões ao título que se vê durante o episódio. E enfim ouvimos a ligação telefônica do episódio passado de Gene para ela, aquela que o fez quebrar a cabine telefônica e mandou o ex-Saul na sua espiral de golpes e perigo em potencial.

Aquela ligação despertou algo nele e nela também. Kim tem pouco a dizer a Gene e acaba indo falar com a viúva de Howard, revelando-lhe toda a verdade sobre a morte do advogado. Em um momento chave, ela aparece pequena no enquadramento e o rosto de Rhea Seehorn faz o resto. A cena posterior dela desmoronando em um ônibus – uma choradeira – é mais um momento simplesmente espetacular da atriz.

Kim demonstra ter uma consciência, justo o que parece faltar a Gene neste triste momento de sua vida. Quando o reencontramos, ele está levando adiante o golpe que seus comparsas não queriam continuar no episódio passado. Por causa da pura estupidez que sempre acomete os pequenos criminosos – e muitos dos grandes também – Jeff acaba preso, e a natureza destrutiva de Gene ameaça levá-lo às últimas consequências.

No meio disso, temos a cena patética e em cores de um passado distante, quando Kim foi ao escritório de Saul para assinar os papéis de divórcio. A cena culmina em um encontro dela com um personagem marcante do universo “albuquerquiano” das duas séries, mediado por uma forte chuva. É mais um momento cheio de água que faz alusão ao título do episódio e deste momento da série; também marca uma cena muito triste com mais uma encarada de Kim na direção do seu passado.

FIM DA FUGA

Dando vida a tudo isso, temos momentos de grande sofisticação visual como o plano em que vemos Gene no alto de uma escadaria, olhando para sua vítima de golpe sentado na ponta de baixo dos degraus; ou quando velhos comerciais do advogado mais trambiqueiro de Albuquerque aparecem refletidos, a cores, nos óculos de Gene. E ainda vale citar a única cena de humor no episódio, com dois policiais e um diálogo banal e engraçado contrastando com a situação dramática de Jeff. São apenas mais alguns momentos que comprovam o quanto este seriado é especial e vai fazer falta.

Quando Kim e Jimmy se separaram, há alguns episódios, ela disse que juntos eles só traziam caos e tristeza um ao outro. Ela estava certa: o relacionamento deles era a definição de tóxico, com um trazendo à tona o pior do outro. No começo era divertido, mas com o tempo essa toxicidade se tornou algo que escapou ao controle deles. Mas neste episódio em particular, tão perto do fim de suas jornadas, parece ter trazido à tona outra coisa: uma vontade de parar de fugir, de se esconder, de encontrar algum tipo de resolução. Ela só se manifestou de modos diferentes em cada um dos personagens. E agora, faltando apenas mais um episódio, resta ao espectador imaginar onde essas vontades poderão levá-los.