Geralmente termino os episódios de “House of the Dragon” angustiada e revoltada com alguma situação que não se encaixa na narrativa ou sobre o quanto a série é misógina. Contudo, “O Senhor das Marés” deixou em mim aquele famoso gosto agridoce tanto pretendido por George Martin. 

Seis anos se passaram desde o último episódio. Acompanhamos as mudanças decorridas nas duas facções que lutam pelo trono de ferro, enquanto a sucessão pelo trono de madeira, radicado em Derivamarca, é posto em debate. Assim, os passos de quatro personagens norteiam o roteiro escrito por Eileen Shim: Rhaenyra, Viserys, Jace e Corlys.  

Rhaenyra Targaryen  


Sob os olhos de Rhaenyra, as tramas políticas são expostas neste episódio. Mais uma vez o amadurecimento da personagem e seu entendimento no jogo dos tronos como herdeira se destacam em suas ações e palavras, o Deleite do Reino não é mais aquela menina impetuosa que respondeu para a senhora Lannister no episódio 03; ela sabe a influência dos Hightower sobre a corte e as decisões do reino e como deve se movimentar para prosseguir em pé.  

É notório o quanto se reprime diante de Alicent, porém seu casamento com Daemon apresenta o contraponto ideal para isso. Enquanto a Princesa controla passos e ações, seu tio-esposo age com o verdadeiro ímpeto do fogo do dragão e, neste episódio em específico, isso nos rende momentos catárticos e emocionantes, os quais comprovam sua lealdade a casa Targaryen e o afeto que nutre pelo irmão e a esposa.   

A presença ativa e o apoio de Daemon são importantes para observarmos o quanto Rhaenyra ganha forças para se movimentar e buscar aliados que tenham pontos em comum, provando ainda que política se faz nos bastidores e se confirma no espetáculo. Suas conversas privadas com Rhaenys e o pai partem de questões emocionais, que desamarram nós preparados na armadilha arquitetada pelos Hightower. E é bom ver o quanto os saltos temporais beneficiaram seu processo de maturação. 

Jacaerys Velaryon 


Acredito que a maior prova de amadurecimento de Rhaenyra está na maneira como seus filhos se portam. Algo latente é a proximidade desta com suas crianças, os quais se refletem na cumplicidade entre seus filhos, Jacaerys e Luke se protegem e se cuidam desde a primeira cena em que fomos apresentados e tem um comportamento honroso comparado ao restante da família real. Gostaria de destacar, no entanto, o quanto “O Senhor das Marés” engrandece o filho mais velho de Rhaenyra.  

Jacaerys Velaryon possui a preocupação de compreender o alto valiriano e as tradições de sua dinastia, proteger sua família e ser um homem honrado (nesse ponto tendendo a um Ned Stark), digno de sentar-se no trono de ferro. Pudemos ver um pouco mais sobre suas interações e o que poderia ser assumindo o governo dos Sete Reinos e a parte mais dolorosa é que Viserys contempla o quanto o neto está preparado para sucedê-lo e é o que leva ao grande engano de Alicent após a sua morte.   

É curioso notar o quanto ele e Aegon são diferentes e como tal fato testemunha o tratamento que suas mães ofertam aos filhos, refletindo na própria percepção que tem de si. Enquanto Rhaenyra e sua descendência se aproximam do restante do ramo Targaryen, Alicent isola seus filhos daqueles que lhe seriam iguais sanguineamente, mas que vivem de maneira distinta do que sua moral e decência permitem. O resultado é que Rhaenys defende a pretensão de Lucerys e aceita a ligação de suas netas com os meninos de Rhaenyra enquanto os verdes se mantém distantes de seus familiares, claro que tudo não passa de um artimanha política, mas que gera percepções abrangentes.   

Para finalizar o desenvolvimento de Jacaerys Velaryon, ser o único a arrancar um sorriso sincero de Helaena, respondendo com classe as provocações de um Aegon preso a quinta série, é uma das melhores e mais discretas formas de mostrar o seu preparo para ascender ao trono.  

Viserys I 


A fraqueza do sucessor de Jaehaerys I é um dos meus incômodos frequentes em “House of the Dragon”, todavia a finalização de seu arco se tornou um dos momentos mais emblemáticos de toda a série até aqui, ao mesmo tempo em que aprofundou a tridimensionalidade do personagem. Lembro de questionar suas ações e a frieza com que tratava a filha na primeira fase, inexplicavelmente a maternidade e o amadurecimento fizeram com que o abismo entre os dois diminuísse, a ponto de evidenciar o amor nutrido por ambos. Rhaenyra procura o pai como uma filha em busca de afeto e encontra nele o seu maior aliado na briga pelo trono de ferro. E é este amor que entrega as melhores cenas deste capítulo.   

Em “Derivamarca”, o Rei já deixará claro o quanto a Princesa de Pedra do Dragão tinha seu afeto acima dos filhos Hightower, mas em “O Senhor das Marés” até a cenografia contribui para alegar tal sentimento, quando coloca o lado de melhor aparência do Rei para onde estão os negros e sua pele comida para o lado em que sentam os verdes, mostrando simbolicamente o quanto a aliança com a casa mais rica de Westeros lhe custou caro.  

Paddy Considine está fenomenal neste fim de ciclo: entregando a tragédia que acompanha os monarcas Targaryen, sua obsessão por sonhos e profecias e o amor que nutriu até o fim por Aemma sendo reverberado em seus netos. O futuro de Viserys poderia ter sido aquele que lhe encheu o coração durante o fim do jantar com sua família, mas foi o que sua fraqueza e receio de não levar o legado de Jaehaerys resultou. Um final triste, mas poético.  

Corlys Velaryon  


Por fim, a ausência de Corlys e o reboliço que se sucedeu pela liderança de sua casa mesmo estando este vivo me soa como mais um contribuinte para a problemática adaptação da casa Velaryon para “House of the Dragon”. Todo episódio parece que os roteiristas se indagam como mudar a narrativa dessa casa, confesso que isto não tem sido bom enquanto produto integrado e pode causar problemas mais a frente, como já visto em Game of Thrones.   

“O Senhor das Marés” é o episódio que dá o pontapé na dança dos dragões. Até aqui lados foram apresentados e o conflito foi se desenhando e solidificando, já sabemos quem é quem na história e quais são seus pontos de força e fraqueza na luta pela coroa de Viserys. Peguem as pipocas e não se apeguem a ninguém.