Quando dou aula nos cursos aqui do Cine Set, sempre digo aos alunos que o cinema é uma máquina de exercitar e desenvolver a empatia. Realmente acredito que quanto mais filmes assistimos, e quanto mais mergulhamos em histórias, com o tempo todos nós passamos a aprender a nos colocar no lugar do outro por algumas horas e a experimentar a vida por um ponto de vista diferente. E assim exercitamos nossa própria humanidade. É o poder da empatia que o cinema consegue criar, e não se engane: às vezes sentimos profundamente a dor de personagens fictícios em filmes, tal como se fossem reais para nós. E se podemos sentir isso por alguém inventado, interpretado por um ator ou atriz, e que pertence a uma história, então também podemos sentir por outros seres humanos de carne e osso ao nosso redor.
Empatia é o tema principal do curta Feeling Through, dirigido e roteirizado por Doug Roland, e esse tema o torna uma obra relevante, simplesmente por ser lançado numa época em que o ser humano está precisando muito exercitar a capacidade de sentir empatia. A história do filme é simples: acompanhamos um jovem rapaz sem teto chamado Tareek (interpretado por Steven Prescod) que está à procura de um lugar para passar a noite. Ele até tenta, mas nenhum dos seus conhecidos o abriga. Tareek então topa com um homem cego e surdo, Artie (vivido por Robert Tarango), e resolve ajudá-lo a chegar ao ponto de ônibus para que ele volte para sua casa.
OBSERVADOR INVISÍVEL
Com essa narrativa simples e apenas 18 minutos, Roland cria uma experiência mais eficaz e comovente do que muitos longas-metragens por aí. Sua câmera é solta, acompanhando seus personagens como um observador invisível, e ele nunca força a mensagem da história ou tenta emocionar o espectador de modo falso. Ajuda na honestidade de Feeling Through o fato da produção ter escalado Tarango, que é deficiente visual e auditivo na vida real, para fazer o papel de Artie. Além disso, a atriz Marlee Matlin, deficiente auditiva que ganhou o Oscar lá atrás pelo drama Os Filhos do Silêncio (1986), é uma das produtoras do filme.
Percebe-se que o projeto foi conduzido com carinho e sensibilidade. O título em inglês, que poderia ser traduzido como “sentindo as coisas” ou “sentindo o caminho”, tem um duplo sentido que o espectador apreende ao assistir ao filme. Ao longo da história, Tareek se comunica com Artie “escrevendo” com seu indicador na palma da mão do homem, e esse toque, o ato de “sentir” o outro, reforça o tema da empatia abordado pelo curta com tanta propriedade. É um pequeno belo filme, com uma mensagem simples transmitida de modo eminentemente visual – o curta não tem muitos diálogos – e que é sobre uma verdade universal para o ser humano, mas esquecida muitas vezes pelas pessoas. A de que estamos todos juntos aqui e deveríamos nos ajudar mais, nos colocar mais no lugar da pessoa ao lado. Algo simples, porém mais importante do que nunca.