Das várias injustiças cometidas contra Tina Turner – a Rainha do Rock -, talvez a mais louca a persistir até hoje seja o fato de ela não constar como artista solo no Hall da Fama do estilo que rege.

Os eleitores da organização podem corrigir esse fato em 2021, já que seu nome está na lista dos indicados. Se eles assistirem a “Tina”, o novo documentário sobre a vida da cantora exibido no Festival de Berlim deste ano, eles não terão como deixar de consagrar uma das maiores artistas de todos os tempos.

O filme de Daniel Lindsay e T. J. Martin – ganhadores do Oscar de Melhor Longa de Documentário em 2012 por “Undefeated” – apresenta uma retrospectiva da trajetória da cantora, que teve uma das maiores improváveis carreiras da música.

Sobrevivendo a um relacionamento abusivo e todo o tipo de preconceito na indústria fonográfica, ela encontrou sucesso global com o disco “Private Dancer”, de 1984 – poucos meses antes de completar 45 anos.

Para os fãs, “Tina” deve chover no molhado e contar pouco de novo sobre Tina, mesmo porque seu material-base já foi contado em múltiplas mídias: sua autobiografia de 1986, a adaptação cinematográfica da mesma lançada em 1993 e seu espetáculo musical de 2018 já deram conta de remontar sua carreira para o grande público.

A parte com mais material inédito, por assim dizer, talvez seja a sua vida pacata de artista aposentada na Suíça, ao lado do marido, o executivo musical alemão Erwin Bach. No entanto, para além da óbvia felicidade de ter encontrado um amor saudável e saborear todas as suas conquistas prévias, não há muito o que um filme abordar nesta parte de sua vida – tratada aqui quase como um epílogo.

ACIMA DE TUDO, A FORÇA DA MÚSICA


Ao invés disso, “Tina” é mais rico quando remonta passagens já conhecidas do cânone turnesco: o talento quase animalesco que já vinha de sua juventude, os inúmeros abusos sofridos pela mão de seu ex-marido e ex-parceiro musical Ike Turner, a explosiva entrevista que expôs sua história ao mundo e o esforço hercúleo da cantora para se estabelecer como artista solo.

A entrevista em questão, publicada em 1981, surge como ponto inicial de um filme que explicita e explora a grande contradição sobre Turner: ao contar sobre seu relacionamento abusivo para o mundo como uma forma de se libertar, ela virou escrava de uma história tão ubíqua e tão irresistível que sua carreira, de certa forma, nunca escapou de sua sombra.

Com tanta violência física e psicológica em seu passado, não é de se espantar que Tina tenha profundo desprazer em revisitá-lo. Porém, mesmo afirmando isso diversas vezes no decorrer dos anos, a mídia continuou a forçá-la a revivê-lo.

Hoje, em sua mansão na Suíça, ela diz querer recontá-la novamente, uma última vez, “para esquecê-lo” – e é possível compreendê-la. O que se espera do mundo é que consagre a força de sua música e de sua performance – que são incontestes a despeito dos percalços de sua vida. Dito isto, essa inclusão no Hall da Fama do Rock sai quando?

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