Um Indiana Jones velho não é exatamente novidade – vide a última entrada da série. Mas um Indiana cansado e aposentado, esse é o trunfo que “A Relíquia do Destino” acredita ter. Há uma promessa dramática interessante aí – uma que precisava das mãos de um cineasta mais imaginativo para realmente alçar voo. 

Os primeiros sintomas já começam no setpiece inicial. A bordo de um trem nazista, um Indy rejuvenescido digitalmente trava seu primeiro contato com a anticítera, um lendário artefato construído por Arquimedes, cuja função será revelada ao longo da história. 

Não é só o rosto computadorizado de um “jovem” Harrison Ford que parece emborrachado (mais estranho ainda: seu rosto rejuvenescido é acompanhado da sua voz de octogenário). Essa textura de borracha contamina todo o uso de CGI de “A Relíquia do Destino”. Em outras palavras: estamos bem longe da artificialidade lúdica do CGI de “Reino da Caveira de Cristal”; o que dá o tom aqui é o naturalismo funcional, que parece muitas vezes minar o potencial imaginativo da aventura. 

Se a sequência inicial não empolga, boa parte da primeira metade de “A Relíquia do Destino” segue o mesmo padrão. Ficamos conhecendo um Indy que deixou as emoções de outrora pra trás. Às portas da aposentadoria como professor, ele passa os dias reclamando do som do vizinho e remoendo os erros do passado. 

Mas é claro que a aventura acaba batendo à sua porta outra vez. Após uma sequência simpática, mas não muito emocionante pelas ruas de Nova York, Indy precisa contar com a ajuda de Sallah, figura importante do primeiro filme da franquia. 

Os momentos que se seguem são interessantes: Sallah, descobrimos, agora ganha a vida como taxista em Nova York, existência não muito diferente de inúmeros imigrantes na Big Apple. A casa simplória abriga seus filhos e esposa, e o veterano parceiro de aventura está doido para meter o pé na estrada outra vez com Indy. 

Desespero silencioso

Pois é: os dias de exploração ficaram para trás. Em seu lugar, sobrou o alcoolismo funcional para Indy, a mediocridade doméstica para Sallah e o desespero silencioso para ambos. Por isso mesmo, é frustrante que, quando a aventura de fato começa, o diretor James Mangold pareça não ter a capacidade de levar a ação aos patamares necessários de emoção. Saímos da mesmice para continuar na mesmice. 

Não que “A Relíquia do Destino” não tenha seus momentos – e a perseguição no Marrocos é o ponto alto do longa, ao lado do clímax da história (mais sobre isso ao final do texto). Antes disso, ainda no Marrocos, há uma cena num leilão clandestino cuja sensação geral de caos coreografado traz à tona a lembrança da cena inicial de “O Templo da Perdição”. Mas é uma lembrança bem passageira. 

À deriva

Antes, “A Relíquia do Destino” logo opta pelo ponto morto. Assim, quando o barco dos personagens encontra o marasmo das águas do mediterrâneo, o tédio em alto-mar tem início. 

A próxima cena de ação é exemplar do que há de errado no longa: em meio a um mergulho às profundezas do oceano, Indy precisa enfrentar uma antiga fobia, lutar contra o tempo e atentar para uma ameaça que, enquanto isso, se aproxima na superfície. Todas as peças para uma sequência emocionante estão bem-posicionadas, mas o filme simplesmente não parece ter muito interesse em explorar as possibilidades das suas ideias. A cena se resolve antes do esperado, sem que nenhuma das complicações apresentadas gere muito suspense. 

Não vale muito a pena entrar em detalhes do restante da trama. Se tem algo que “A Relíquia do Destino” é, é longo. Com uma duração para lá de 2h20, o tempo pesa sobre o espectador – falha fatal para um filme que se quer cheio de aventura. 

Há ainda Phoebe Waller-Bridge como afilhada de Indy – e se não a havia mencionado até então, é porque o longa se limita a colocá-la para repetir seu mesmo número de “Fleabag“. Sem falar, é claro, em Harrison Ford, que aqui aparece bem mais investido no papel do que seus últimos 20 anos de carreira nos levam a esperar. 

AVISO DE SPOILERS ADIANTE

 E o final, hein?

Uma pena que esse investimento não pareça ser compartilhado pelo filme em si – e, nesse sentido, a sequência final do longa merece ser discutida em mais detalhes: 

Após o uso da anticítera pelo Dr. Völler de Mads Mikkelsen, Indy e companhia viajam para cerca de 200 anos a.C. Lá, Indy, ferido à bala, testemunha o cerco de Siracusa e encontra o lendário Arquimedes. É uma visão fantástica: tudo aquilo que Indy passou a vida pesquisando ganhando vida diante de seus olhos. 

O encontro com Arquimedes representa, é claro, a possibilidade do maravilhamento em contraste ao tédio cotidiano da aposentadoria. Não é de se espantar, portanto, que Indy opte por ser deixado para morrer naquele tempo, longe de casa mas como parte de algo genuinamente deslumbrante. A música cresce, Harrison Ford dá tudo de si e parece mesmo que o nosso herói terá um fim digno: agora Indy também será parte da História. 

Não é o que acontece. Indy acaba sendo transportado a contragosto de volta aos anos 60, onde Sallah e Marion o esperam. E, embora a cena em que ele reencontra sua ex-companheira seja bonita, um gosto amargo permanece na boca: então quer dizer que, em vez de viver a concretização literal de seus anos de estudo (mesmo que brevemente), o desfecho de nosso herói é voltar à mesmice doméstica – dessa vez cercado por mais bocas para alimentar? 

Uma leitura cínica? Talvez, mas “A Relíquia do Destino” também não ajuda. Fora que, dado o histórico de Hollywood com propriedades intelectuais, o desfecho causa um desgosto ainda maior: é que dificilmente os estúdios deixam suas propriedades morrerem. Lembremos da obra do próprio Mangold, que encerrou a era de Hugh Jackman como Wolverine em “Logan“, apenas para que o retorno do ator ao personagem fosse anunciado poucos anos depois.

 Não, o fim nunca chega para produtos que podem ser rejuvenescidos, reembalados e recomercializados.