A espera havia durado 19 anos. Desde “Indiana Jones e a Última Cruzada”, muito havia mudado. O mundo havia conhecido a era da informação. Fãs ávidos agora tinham a possibilidade de escrutinar cada detalhe da produção com fotos do set, relatos postados na web e até designs vazados de brinquedos Lego. 

Em outro front, o digital também tomava conta do cinema. George Lucas já havia se rendido às graças dos zeros e uns com suas prequels. Neste caso, Steven Spielberg tinha dois caminhos possíveis: trazer sua franquia ao século XXI ou se render ao apelo nostálgico da empreitada. Ele escolheu a última opção, mas a dureza e o cinismo da era da informação continuaram pipocando aqui e ali. 

Talvez a recepção mista que “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” recebeu seja um exemplo. Fanbases reclamonas são uma irritante constante dos tempos internéticos, a ponto de se tornarem mero ruído branco, mas ainda eram novidade em 2008. O filme fez dinheiro – quase $800 milhões. Mas algo de amargo ficou. 

Shia LaBeouf, que inexplicavelmente se tornou o novo rosto dos blockbusters no final daquela década, diria, alguns anos depois, ter deixado a peteca cair com o filme (LaBeouf é um bom ator, mas é difícil imaginá-lo como o rosto do entretenimento familiar de grande orçamento: ele tem uma fuça que parece gritar a palavra “babaca”). Parecia haver um consenso de público de que “Caveira de Cristal” decepcionou. 

Quão refrescante, então, retornarmos ao filme e descobrirmos, 15 anos depois, que se trata de um bom e velho longa de aventura. Nada da destruição urbana pós 11/9 de “Transformers”, “Guerra dos Mundos” ou, posteriormente, “Os Vingadores”. Em seu lugar, florestas tropicais, cidades de ouro, alienígenas e cipós, tudo embalado pelas mesmas cores vibrantes em tons quentes de 30 anos atrás. Ótima notícia para nós, já que assim, Janusz Kaminski, diretor de fotografia de Spielberg desde “A Lista de Schindler”, precisou refrear sua tendência a deixar tudo cinzento. 

A princípio, até pensamos que será um filme cindido entre o romantismo inocente de antes e o conhecimento cínico de hoje. Primeiro porque, narrativamente, estamos na era da destruição em massa – os anos 50, a Guerra Fria, a bomba. A total aniquilação da humanidade. Há, assim, algo de estranho, chocante, forte, em ver a silhueta de Indy contra a poeira radioativa de um cogumelo nuclear. Se a tal da “cena da geladeira” (leia-se, quando Indy sobrevive a uma bomba atômica ao se esconder dentro de um refrigerador) causou tanto bafafá em 2008 (e, acreditem, causou), é por essa dissonância. Aparentemente, é mais fácil transformar nazistas em cartuns do que a ameaça nuclear. 

De volta ao básico

Mas se o mote do filme é o retorno ao feijão com arroz, então estamos bem servidos: até os pratos mais simples resplandecem quando o mestre-cuca tem tesão no que faz. Uma perseguição pelo campus universitário oferece a Spielberg as possibilidades para todo tipo de estripulia com uma motocicleta, que termina por derrapar sob as mesas da biblioteca. Na selva, Mutt (o motoqueiro rebelde de LaBeouf) e Irina (a temível soviética de Cate Blanchett) duelam com espadas em cima de jipes em movimento. 

Quando o CGI entra em cena (e ele o faz com certa frequência), o resultado não é aquela mesmice de plástico que mais parece uma cutscene medíocre de videogame. Antes, os fundos verdes e animais computadorizados e florestas digitais adicionam uma camada a mais ao jogo lúdico, fazem parte do dispositivo imaginativo de “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal”. 

Se há algo impedindo o longa de ser mais memorável, talvez se deva ao roteiro de David Koepp. O rei dos filmes “três estrelas” (“Perigo por Encomenda”, “Janela Secreta”), Koepp não é dos roteiristas mais inventivos. De fato, você consegue ver as cordinhas do seu texto sendo puxadas a quilômetros de distância. No que tange às mecânicas da plot, tudo é funcional ao extremo – é preciso que tal e tal personagem estejam em tal e tal lugar, e nada mais importa. 

Resulta que Mac (Ray Winstone), por exemplo, não tenha muito o que fazer na trama, além de algumas trapaças descartáveis aqui e ali. O Mutt de LaBeouf, que logo descobrimos ser filho de Indy, sofre do mesmo mal – mas ao menos serve para criar uma dinâmica divertida de pai e filho com o rabugento Ford (teria sido este o último filme em que Ford atuou sem ter sido aparentemente forçado pelos boletos? Comparado ao seu trabalho da última década, seu Indy aqui parece ter uma joie de vivre exuberante). 

Há também, é claro, os aliens da parada (que movimentam a plot a partir da tal caveira de cristal, artefato com poderes psíquicos cobiçados pelos soviéticos) – talvez o elemento mais questionável do longa. Toda a investida em território de “Eram os Deuses Astronautas?” cheira a George Lucas – e, de fato, foi sua a ideia de inserir extraterrestres numa história de Indiana Jones. O conceito é tão batido e tão bobo que fica difícil não revirar os olhos (e já que estamos falando de uma noção intrinsecamente racista, vale dizer que o bom e velho racismo cartunesco da franquia segue vivo e forte com todos os “selvagens” peruanos – algo que parece ter causado bem menos comoção do que um senhor de idade se escondendo numa geladeira). 

Em suma: “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” parece ter sido, depois das prequels de Lucas, um dos primeiros alvos do hate exacerbado das fanbases. Bem-vindo ao novo milênio, Indy.