“That Kind of Summer”, novo filme do diretor Denis Côté, explora 26 dias em uma espécie de clínica de reabilitação diferente: o vício enfrentado aqui não é o álcool ou as drogas ilícitas, mas o sexo. O longa do provocador canadense, exibido no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary depois da estreia em Berlim, é um desafiador olhar dentro do universo das parafilias, em que a linha entre abuso e controle é incrivelmente difusa. 

Geisha (Aude Mathieu), Eugénie (Laure Giappiconi) e Léonie (Larissa Corriveau) são três jovens que são levadas a situações extremas por conta de sua sexualidade exacerbada. Elas são convidadas a um retiro onde podem se desligar (o uso de telefones é limitado) e repensar como seus desejos mexem com suas vidas. Na forma de relatos e flashbacks, o público acompanha um pouco da trajetória delas até ali e como o isolamento do mundo exterior as afetam. 

As imagens sem adornos do diretor de fotografia François Messier-Rheault (que fotografa um longa de Côté pela quinta vez consecutiva aqui) são muitas das vezes close-ups sufocantes e longos, que acompanham os envolvidos em uma conversa. Quase não há música (a primeira dá às caras por volta dos 30 minutos) e quando surge, ela costuma ser diegética. Tudo isso dá um tom levemente documental a “That Kind of Summer”, em que cenas parecem se desenrolar quase como por acidente à revelia da câmera. 

Isso reflete o caráter observacional do roteiro de Côté, que procura com mais afinco mostrar essas personagens do que explicá-las. Teria sido conveniente mostrá-las como aflitas à procura de amparo ou como femmes fatales determinadas a tomar o mundo uma transa de cada vez. Ao invés disso, suas protagonistas vivem em uma terra de ninguém emocional e moral em que são traumatizadas ao mesmo tempo em que detém comando da sua verve sexual. 

BOA SESSÃO DUPLA COM “NINFOMANÍACA” 

A confluência entre trauma e libido na trama tornam “That Kind of Summer” uma ótima sessão dupla com “Ninfomaníaca” de Lars von Trier – ainda que as abordagens sejam diversas. O filme do diretor sueco é claramente sobre depressão e seu autor compõe uma protagonista digna de pena. O do canadense, por sua vez, empodera seu trio principal e o coloca diante da pergunta: qual é o ponto em que eu deixo de ser mestre do meu tesão e me torno sua escrava? 

É uma pergunta muito válida – e respondê-la requer um processo demorado e tortuoso que delonga muito os 137 minutos de projeção. O filme poderia ter perdido 20 minutos sem sacrificar nada de sua força. Por sorte, a produção investe em um rico subtexto que questiona o envolvimento dos profissionais responsáveis pelo retiro. Qual seria a sua agenda? O roteiro coloca o suficiente para pôr pulgas atrás da orelha do espectador mais astuto.  

Ainda assim, é o trio de jovens que domina a tela e que mantém o público ligado em “That Kind of Summer”. Este não é um filme que propõe resoluções – ele chega a sugerir que esse não seja o forte o retiro em questão – mas um que propõe uma nova visão sobre culpa, vergonha e a zona ambígua que existe para além dos sentimentos.