“Maid” é uma produção focada em dilemas contemporâneos e esse é o principal de seus acertos. Disponível na Netflix e protagonizada por Margaret Qualley, a minissérie acompanha Alex, uma jovem que foge de um relacionamento abusivo e passa a trabalhar como empregada doméstica para conseguir sustentar a si e a filha de quase três anos, Maddy (Rylea Nevaeh Whittet).
A roteirista Molly Smith Metzler (“Shameless”, “Orange is the New Black”) utiliza esse mote para discutir temas como violência doméstica, o descaso com menos favorecidos em países de economia liberal e a luta contra a pobreza. Diante disso, a série evidencia como o sonhado American Way of Life, ainda muito propagado em grupos políticos nacionais, não só está no declínio como atingiu o seu fim.
NARRATIVA FRANCA, NATURALISTA
Por meio da denúncia da violência doméstica e dos ciclos repetitivos de abuso, Metzler expõe o quanto a nossa sociedade está adoecida e o conservadorismo contribui para isso. Esta não é uma crítica a quem é partidário a esse posicionamento, mas aos códigos socioculturais pregados por este que não se encaixam mais na contemporaneidade e sua busca por equalização das forças. Colocar em tela a violência sem ser romantizada é uma das melhores maneiras de aquecer essa discussão.
Este aspecto engrossa os acertos em “Maid”, já que a narrativa é extremamente franca, chegando a ser sentimentalmente naturalista. Alex é uma protagonista pragmática e, como condutora da história, toma suas decisões pelas necessidades que possui e não pelos sentimentos que possam predominá-la. A maior evidência disto encontra-se nas fugas dos personagens que possam oferecer perigo a Maddy. Mesmo que economicamente dependa deles, a segurança e o alicerce emocional para sua filha são prioridades.
Isso é curioso justamente pela repetição de ciclos. Tanto a personagem de Qualley quanto o parceiro abusivo, Sean (Nick Robinson), são oriundos de lares desestruturados onde a relação com álcool e doenças psicológicas não tratadas contribuíram para a formação de sua índole adulta. Enquanto Sean utiliza a criação como justificativa para seu espiral de vícios e violência, Alex tenta dar a volta por cima. Embora ambos concordem em não querer dar a Maddy o mesmo tipo de ambientação que receberam na infância, fica nítido que apenas um deles está disposto a isso.
Interfaces com a realidade
Alex se apresenta como a base familiar. Embora seja vítima da situação, ela é o esteio que se mantém firme devido ao amor que nutre pela filha, tal construção exalta e destaca Margaret Qualley. Extremamente expressiva, ela torna a personagem verossímil tanto no seu trabalho com a pequena Rylea, que é fantástico e belíssimo, passando a sensação de que há um relacionamento de anos entre ambas; quanto pela sensação que ela passa ao espectador.
Mesmo que estejamos diante de discussões relacionadas a burocracia do sistema social, a principal ênfase de Maid é a violência contra mulher, englobando, além da sofrida dentro do lar, as pequenas agressões a que somos submetidas devido ao gênero. A forma como são descritas agride a qualquer espectador atento e por isso, em muitos momentos, é difícil assistir um episódio na íntegra sem pausá-lo.
Como espectadores nos colocamos no lugar da personagem e observá-la sofrer e repetir ciclos sem poder intervir, nos faz sofrer junto com ela e ter empatia pela sua vivencia. Em vários momentos, me peguei indagando o que faria se estivesse em seu lugar, se seria tão forte e determinada quanto Alex. Essa verdade que Qualley passa na interpretação levanta reflexões quanto a reações, atitudes e até mesmo a culpa em relação a violência. Sensações que apenas enriquecem a narrativa baseada nas memórias de Stephanie Land, que passou pelas mesmas condições.
“Maid” é uma história de força acompanhada de tristeza e angústia pela situação social que a maior parte da população mundial passa. Parafraseando uma canção da Banda Eva, Metzler deixa claro que “é o fim da odisseia do American Way Life” diante de nossos olhos calejados por viver no Brasil contemporâneo. Não há como não sofrer junto.
Por que não podemos fazer filmes sobre homens sofrendo abusos constantes nas mãos de mulheres?