Independente de como você se sinta a respeito do final de Game of Thrones, uma coisa podemos dizer: a dupla de produtores/roteiristas David Benioff e D. B. Weiss merece respeito por ter conseguido transformar um trabalho claramente de amor – a adaptação da série “inadaptável” de livros de George R. R. Martin –  em um fenômeno global do tipo que não aparece mais com tanta frequência. Agora, cinco anos depois do fim de GOT, Benioff e Weiss retornam ao lado do produtor e roteirista Alexander Woo com outro projeto difícil: a série de ficção-científica O Problema dos 3 Corpos, baseada nos livros do autor chinês Cixin Liu.

Não cheguei a lê-los, mas, os livros de Liu conquistaram honrarias como o Hugo, o mais prestigiado prêmio da ficção-científica. Isso tudo com uma história complexa, grande elenco de personagens, e ambientada em diferentes países. Na teoria, parece algo perfeito para os caras que conseguiram desenrolar As Crônicas de Gelo e Fogo.

Mas há uma diferença fundamental entre os dois projetos: GOT era da HBO, que fez seu nome reinventando gêneros e colocando na tela projetos ousados. O Problema dos 3 Corpos é da Netflix, que cada vez mais tem entregado projetos com jeito de que foram criados por algoritmo, juntando peças de histórias que já vimos antes. E tirando algumas poucas exceções, a Netflix não reinventa nada.

A seu favor, O Problema dos 3 Corpos tem, sim, os ingredientes para uma grande história de ficção-científica ao trazer um instigante ponto de partida: “o que aconteceria se a humanidade realmente fizesse contato com uma forma de vida extraterrestre?”. Os ETs iriam nos invadir com naves? Iriam nos conquistar aos poucos? Iriam nos temer por causa da nossa incapacidade de nos entendermos uns aos outros? Ou iriam simplesmente nos ignorar depois de dar uma olhada nas nossas redes sociais? Bem, essa última pergunta é mais minha, porém a trama da série meio que lida com todas as outras.

Personagens longe do empolgante

Na trama, no final dos anos 1960, a cientista chinesa Ye Wenjie (vivida por Zine Tseng), que perdeu a família na revolução do camarada Mao, é cooptada para um projeto científico que busca contatar vida extraterrestre. Esse projeto tem repercussões em 2024, quando um suicídio misterioso reúne um grupo de astrofísicos ingleses conhecidos como “os cinco de Oxford”. Aos poucos, eles começam a se envolver em uma trama que pode mudar o destino da humanidade. Depois surgem na história a velha Ye Wenjie (agora interpretada por Rosalind Chao) e um estranho jogo, que parecem ter ligação com o suicídio…

O elenco tem nomes que já se destacaram aqui e ali em projetos na TV ou no cinema, como Benedict Wong, Jovan Adepo, Eiza González e, pelo menos, três atores bem conhecidos de GOT: Liam Cunningham, John Bradley e Jonathan Pryce. E aí vem o primeiro aspecto decepcionante de O Problema dos 3 Corpos: os personagens são bem opacos, sem muito desenvolvimento. Vários deles são bem rasos, para dizer a verdade: Jess Hong faz a cientista inteligente que fala muito palavreado técnico, Bradley é o alívio cômico, Wong é o investigador que fica correndo de um lado para o outro, e assim vai. São todos determinados pela trama, ao invés deles a moverem. Sendo assim, ninguém acaba se destacando muito.

A veterana Chao, que tem a personagem mais interessante, acaba sendo a que mais sofre pela oportunidade perdida: quando parece que a trama vai desenvolvê-la, ela sai de cena e volta apenas pontualmente ao longo dos episódios.

De fato, parece que os roteiristas estão mais preocupados em explicar teorias científicas ou quem foram Sir Francis Bacon ou Copérnico do que em tornar seus personagens figuras realmente interessantes. O Problema dos 3 Corpos parece apaixonado por defender a ciência sobre fake News e esse é um subtexto presente em alguns momentos. Mas ao colocar o tema acima dos personagens, a série acaba adquirindo ares de uma aula chata da escola ao invés de uma narrativa interessante. E, claro, as cenas dos personagens jogando o tal jogo acabam sendo muito bobas, praticamente despertando o inverso do encantamento por teorias científicas e os cientistas que as criam.

PROPAGANDA ACIMA DA EMOÇÃO

Outro problema: a narrativa não tem tempo para respirar. Quando o bendito jogo some de cena, o foco da série passa a ser a misteriosa organização por trás do contato com os Ets. Depois ela desaparece e os personagens têm de lidar com a nova ameaça alienígena, e depois surgem mais desenvolvimentos nos últimos dois episódios… Um mistério é substituído por outro no espaço de poucos episódios. É ruim ficar comparando, mas vamos lá: GOT teve tempo para contar sua história com calma – aliás, pode-se até argumentar que o seriado se perdeu quando quis correr perto do final – mas a Netflix quer séries com menos temporadas, então aparentemente os produtores tiveram de comprimir mais de um livro nestes primeiros oito episódios. Isso faz com que o foco do seriado mude constantemente: no nosso mundo atual em que tudo precisa ser rápido, a pressa na hora de contar uma história faz diferença.

E é decepcionante saber que a Netflix torrou 160 milhões de dólares nesta temporada quando o resultado final é tão… desinteressante visualmente. Sério, a maior parte das cenas de O Problema dos 3 Corpos é composta apenas de pessoas conversando. Quando vemos algo mais épico, é a boa e velha computação gráfica que impera e, às vezes, parece bem falsa. A cena mais impactante da temporada envolvendo a destruição de um navio realmente impressiona, mas é um momento de exceção, não a regra.

Para ser justo, a série melhora na segunda metade de episódios. Começam a surgir ideias mais interessantes e conflitos mais dramáticos. Porém, ainda assim, é pouco. Apesar da pompa e de grandes nomes na produção – o cineasta Rian Johnson e a Plan B, produtora do astro Brad Pitt, estão entre os nomes envolvidos – O Problema dos 3 Corpos é sem alma e parece um produto de algoritmo, tal e qual tantas outras produções da Netflix. Nota-se que houve um esforço por parte de todos para criar algo especial, mas o resultado não foi alcançado.

Dificilmente O Problema dos 3 Corpos fará pela ficção-científica o que GOT fez pela fantasia na TV. Tenta ser inteligente – até consegue -, mas sacrifica envolvimento por um tipo de propaganda pró-ciência. Bem, precisamos muito disso hoje em dia, mas se a atração não conquista, o discurso não vai funcionar. E tenta ser épica, mas só consegue sê-la de fato em alguns momentos pontuais. No fim das contas, uma série que fala sobre salvar a humanidade não consegue despertar muita empatia. E de novo, parece injusto comparar, mas GOT despertou com sobras essa empatia que falta aqui. É o que diferencia o fenômeno da mera série da semana.