Um dos maiores ofícios do jornalismo e do fotojornalismo sério e comprometido é denunciar, gerar notícia e colocar holofotes em algo que está errado, comprometendo uma série de questões éticas, morais, sociais e humanitárias.

Há grandes momentos da história recente em que o jornalismo/fotojornalismo, por mais sistemático ou até sensacionalista que possa parecer, usou de sua importância para indicar denúncias e abusos. Exemplos não faltam como a emblemática e poderosa imagem capturada por Nick Ut de Kim Phuc Phan Thi, garota com nove anos, andando nua e desesperada pelas queimaduras provocadas por uma bomba de napalm, na Guerra do Vietnã, em 1972. Ou de “Tomoko In Her Bath” (1971), imagem de W. Eugene Smith no desastre de Minamata. Eis aqui a nossa história.

O longa de Andrew Levitas (“A Última Canção”) narra esse período desastroso ao povo de Minamata, cidade japonesa localizada na província de Kumamoto. Centenas de milhares de pessoas morreram ou ficaram com sequelas graves por conta do envenenamento de mercúrio causado por uma empresa de produtos químicos. “Gene” Smith (Johhny Depp), ex–combatente de guerra e famoso fotojornalista da revista Life, é convocado por Aileen (Minami Hinase), uma das habitantes da região para registrar esse terror. Isso, claro, irá gerar conflitos entre os poderosos locais e os próprios militantes, em um primeiro momento.

DIVERSOS CAMINHOS NÃO APROVEITADOS

“Minamata”, enquanto denuncia, é eficaz em trazer à tona essa história e não deixar que ela seja esquecida, assim como muitos outros desastres causados pela ganância do homem: nos créditos finais há ainda fotos de muitos e muitos conflitos e protestos contra esses desastres, entre eles, o de Brumadinho, em Minas Gerais, em 2019.

Por outro lado, entretanto, o filme não se sustenta por não saber para onde ir. Levitas não consegue construir uma narrativa em que haja uma comunhão entre as partes; sempre há uma “quebra”, ainda que o contexto geral esteja em todo o filme – ora resvala na vida pessoal e no alcoolismo de Gene, ora foca na militância dos habitantes liderada com afinco por Mitsuo Yamazaki (Hiroyuki Sanada) e, depois, mira no focar no desenrolar da história da tragédia e dos conflitos ocasionados por ela.

A produção busca ser um filme político, mas acaba sendo mais um filme de denúncia. E não há problema algum em seguir este caminho, mas os artifícios são tão batidos e vistos dezenas de vezes em outros tantos filmes similares que dificilmente empolgam. Há uma necessidade urgente – aí é uma cutucada na indústria como um todo – em renovar a sua visão em filmes do tipo, especialmente quando coloca como o herói o homem branco e americano. Infelizmente, o white saviour nunca sai de moda em Hollywood.

E você deve pensar, mas o filme é baseado em fatos reais. De fato! Mas por que não contar sob a perspectiva dos japoneses?

 JOHNNY DEPP EM RARO BOM PAPEL

“Minamata” passou despercebido do público por conta de seu protagonista, Johnny Depp, por todos os problemas que são de domínio público. Todavia, o ator se despe da sua própria caricatura e nos entrega uma desempenho seguro e interessante.

As grandes empresas visam o lucro, vivemos num mundo capitalista, afinal. Na teoria, a justiça e democracia deveriam estar ao lado daqueles negligenciados, ceifados, assassinados e com vidas perdidas por conta do desespero exacerbado dos empresários em lucrar, passando por cima de vidas, histórias e rompendo com narrativas e sonhos.

Enquanto não houver leis eficazes e comprometidas tanto ao meio ambiente, quanto ao seu povo, desastres causados pelo homem como em Minamata, Brumadinho e tantos outros na história, serão cada vez mais constantes e vidas serão perdidas. Fica a reflexão, pelo menos.

CRÍTICA | ‘Deadpool & Wolverine’: filme careta fingindo ser ousado

Assistir “Deadpool & Wolverine” me fez lembrar da minha bisavó. Convivi com Dona Leontina, nascida no início do século XX antes mesmo do naufrágio do Titanic, até os meus 12, 13 anos. Minha brincadeira preferida com ela era soltar um sonoro palavrão do nada....

CRÍTICA | ‘O Sequestro do Papa’: monotonia domina história chocante da Igreja Católica

Marco Bellochio sempre foi um diretor de uma nota só. Isso não é necessariamente um problema, como Tom Jobim já nos ensinou. Pegue “O Monstro na Primeira Página”, de 1972, por exemplo: acusar o diretor de ser maniqueísta no seu modo de condenar as táticas...

CRÍTICA | ‘A Filha do Pescador’: a dura travessia pela reconexão dos afetos

Quanto vale o preço de um perdão, aceitação e redescoberta? Para Edgar De Luque Jácome bastam apenas 80 minutos. Estreando na direção, o colombiano submerge na relação entre pai e filha, preconceitos e destemperança em “A Filha do Pescador”. Totalmente ilhado no seu...

CRÍTICA | ‘Tudo em Família’: é ruim, mas, é bom

Adoro esse ofício de “crítico”, coloco em aspas porque me parece algo muito pomposo, quase elitista e não gosto de estar nesta posição. Encaro como um trabalho prazeroso, apesar das bombas que somos obrigados a ver e tentar elaborar algo que se aproveite. Em alguns...

CRÍTICA | ‘Megalópolis’: no cinema de Coppola, o fim é apenas um detalhe

Se ser artista é contrariar o tempo, quem melhor para falar sobre isso do que Francis Ford Coppola? É tentador não jogar a palavra “megalomaníaco” em um texto sobre "Megalópolis". Sim, é uma aliteração irresistível, mas que não arranha nem a superfície da reflexão de...

CRÍTICA | ‘Twisters’: senso de perigo cresce em sequência superior ao original

Quando, logo na primeira cena, um tornado começa a matar, um a um, a equipe de adolescentes metidos a cientistas comandada por Kate (Daisy Edgar-Jones) como um vilão de filme slasher, fica claro que estamos diante de algo diferente do “Twister” de 1996. Leia-se: um...

CRÍTICA | ‘In a Violent Nature’: tentativa (quase) boa de desconstrução do Slasher

O slasher é um dos subgêneros mais fáceis de se identificar dentro do cinema de terror. Caracterizado por um assassino geralmente mascarado que persegue e mata suas vítimas, frequentemente adolescentes ou jovens adultos, esses filmes seguem uma fórmula bem definida....

CRÍTICA | ‘MaXXXine’: mais estilo que substância

A atriz Mia Goth e o diretor Ti West estabeleceram uma daquelas parcerias especiais e incríveis do cinema quando fizeram X: A Marca da Morte (2021): o que era para ser um terror despretensioso que homenagearia o cinema slasher e também o seu primo mal visto, o pornô,...

CRÍTICA | ‘Salão de baile’: documentário enciclopédico sobre Ballroom transcende padrão pelo conteúdo

Documentários tradicionais e que se fazem de entrevistas alternadas com imagens de arquivo ou de preenchimento sobre o tema normalmente resultam em experiências repetitivas, monótonas e desinteressantes. Mas como a regra principal do cinema é: não tem regra. Salão de...

CRÍTICA | ‘Geração Ciborgue’ e a desconexão social de uma geração

Kai cria um implante externo na têmpora que permite, por vibrações e por uma conexão a sensores de órbita, “ouvir” cada raio cósmico e tempestade solar que atinge o planeta Terra. Ao seu lado, outros tem aparatos similares que permitem a conversão de cor em som. De...