“Todos Estão Falando Sobre Jamie”, é um drama musical estrelado por Max Harwood e retrata o início de carreira de Jamie New, um jovem gay prestes a se formar na escola e que decide se tornar uma drag queen. Estreante nos cinemas, Jonathan Butterell dirigiu a peça sucesso de bilheteria e vencedora de vários prêmios no Reino Unido.

Somos apresentados a dois ambientes em que se passa a história de Jamie: a casa dele e a escola. No seu lar, o ambiente exposto para o jovem é, de início, agradável. Sua relação com a mãe Margaret (Sarah Lancashire) é saudável: há apoio e companheirismo entre eles, permeada ainda pela presença de Ray (Shobna Gulati), melhor amiga de Margaret e uma boa influência para o rapaz.

Seu ambiente escolar não é dos mais complicados, mas, está longe de apresentar a harmonia de sua casa: Jamie tem apenas uma amiga mais próxima e sofre com bullying de alguns colegas em relação a sua sexualidade, mas o filme não busca aprofundar esses conflitos. Em parte por uma certa dificuldade em dar mais peso à narrativa e outra por Jamie ser um jovem bem seguro, um reflexo do afeto que encontra em sua mãe.

FUGA DO RISCO

A partir de certo momento, entretanto, essa falta de peso para as ações passam a sensação de algo forçado. Os dilemas em “Todos Estão Falando Sobre Jamie” parecem surgir já resolvidos, não por dedução lógica, mas pelo filme se portar o tempo inteiro de forma artificial.

Pode-se esperar que um filme “coming of age” parta de certa inocência para conduzir sua trama – e isso jamais seria um problema -, mas há uma grande diferença entre apresentar uma obra inocente e outra inofensiva, que se recusa a dar um mínimo passo arriscado para enfrentar as situações de dificuldade que apresenta a quem assiste.

Isso fica mais exposto pelas apresentações musicais, que buscam trazer um brilhantismo à obra. Temos aqui figurinos mais extravagantes, cores mais vibrantes e personagens que se esforçam para sair de suas zonas de conforto. Mas tudo parece artificial mais uma vez. É bem-produzido, belo, mas pouco inspirador. O que se fala, tanto nas letras quanto nos diálogos, não se vê.

ESTAR, MAS, NUNCA SER

Essa beleza, ainda que um tanto fria, poderia satisfazer se não tivéssemos certas guinadas dramáticas que acentuassem ainda mais a opacidade com que a trama é tratada: a relação de Jamie com seu pai e com sua mentora.

Jamie possui um pai preconceituoso que sempre sentiu antipatia por seu filho gay. Uma das músicas que mais gostei é a primeira em que o protagonista trata sobre sua decepção com seu progenitor, quando é apanhado se maquiando ainda criança. O filme apresenta uma montagem que sobrepõe o Jamie do futuro observando o seu eu criança ao ser abordado pelo pai em um momento que pode parecer estranho no início, mas, se mostra capaz de posicionar Jamie nesse lugar de tristeza por uma situação passada que ainda o incomoda no presente.

Porém, o desenrolar do conflito é sempre muito distante, rápido, como se fosse apenas uma informação a ser passada e não uma trama a ser desenvolvida, concluindo-se com a decepcionante invasão de Jamie a um campo de futebol trajando um vestido nas cores do time do pai. Admito que torci para uma apresentação musical com o protagonista, a partir da força de sua arte, invadindo aquele espaço de segurança do homem que o abandonou. Temos, porém, o velho chavão do rapaz abatido no chão.

A outra trama cujo desenrolar incomoda é de Hugo Battersby / drag queen Loco Chanelle (Richard E. Grant). Personagem que melhor encarna o que o filme tenta, Hugo/Chanelle é destemida e ambiciosa, apesar de seus traumas e desafios que enfrentou durante a vida. Justamente por isso, a história dela deixa um gosto amargo de não ser mais trabalhada dentro de “Todos Estão Falando Sobre Jamie”, afinal, teríamos algo além do espetáculo seguro e bem programado.

O próprio personagem de Jamie parece reconhecer isso em determinada cena, quando expõe a sua melhor amiga Pritti (Lauren Patel), que sente uma pressão devido a todos os desafios que Chanelle enfrentou. Jamie, então, se compromete a se superar para fazer jus a carreira que escolheu, mas, mais uma vez, o filme se mostra forte no discurso e frio visualmente.

A mentora de Jamie, em certo momento, explica para o jovem que existe uma diferença entre ser um homem com vestido e ser uma drag queen. “Todos Estão Falando Sobre Jamie” por vezes prefere a primeira opção, sem nunca proporcionar ao personagem encarar de forma satisfatória os desafios que também advém dela.

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