Triunfando de forma surpreendente e emocionante no último Festival de Gramado, “Noites Alienígenas” também marcou presença na Mostra de SP deste ano. Em um estilo que se assemelha ao já clássico “Amores Brutos”, de Alejandro González Iñarritu, o filme acreano acontece dentro e fora da tela, promovendo um despertar de consciências sobre realidades outras de um múltiplo Brasil que está muito além da visão míope que se tem (em especial, sobre os estados amazônicos). 

Cineasta nascido no Rio de Janeiro, mas que adotou o Acre como seu local de pertença, Sérgio Carvalho está ainda por trás do Festival Internacional Pachamama de Cinema de Fronteira. Partindo do livro que escreveu e publicou em 2011, adapta “Noites Alienígenas” para o formato de longa, retratando vidas que se cruzam em zonas periféricas da capital Rio Branco. Riva, Sandra, Paulo e Kika se conhecem desde a infância. Ao redor deles ainda orbitam Alê e Lora. Todos terão suas vidas brutalmente atravessadas pelas sinuosas e mortíferas trilhas do tráfico de drogas na região. 

“Noites Alienígenas” marca ainda a estreia como atriz da campeã do BBB 18, Gleice Damasceno. Ela interpreta a jovem mãe Sandra, elo entre os amigos afastados Riva (Gabriel Knoxx) e Paulo (Adanilo) e que ainda contracena com a excelente Kika Sena – de “Paloma”. Gleice demonstra que tem potencial, mesmo em um papel relativamente pequeno, enquanto que o também jovem e promissor Gabriel Knoxx- também premiado em Gramado – enfrenta mais dificuldades em segurar o papel com maior protagonismo na história. Fato é que Adanilo rouba a atenção em todas as cenas em que aparece como o atormentado adicto Paulo, pai do filho de Sandra, totalmente entregue ao vício, mas ainda capaz de alcançar redenção por vias tortas ou mesmo, por um resgate de sua ancestralidade. 

 ALÉM DO REGIONALISMO

Com roteiro assinado por Carvalho, em parceria com também cineasta Camilo Cavalcante (“A História da Eternidade”) e Rodolfo Minari, “Noites Alienígenas” se vale do formato de mosaico para com multitramas cruzar as linhas entre as decisões e destinos dos personagens. Um Chico Diaz no elenco é sempre garantia de brilho e aqui: a exemplo de outro filme passado na Amazônia (“Los Silencios”), o ator resplandece em cena e traz não só presença como verdade. Ajuda a catapultar Knoxx em cena e partilha aquela que talvez seja a melhor sequência do filme com Joana Gatis, que vive Lora. 

O que deixa uma leva frustração em “Noites Alienígenas” é a falta de camadas e desenvolvimento subsequente para todas as personagens contidas na história. De Lora, por exemplo, aprendemos que é um espírito livre; que gosta de dançar e ama o filho. Mas e de Sandra? E mesmo de Paulo? Faltou colocar mais para suscitar nas cenas, construções dramáticas mais potentes ou mesmo elevar a temática trágica e urgente, dos problemas que emergem nas cidades amazônicas como a capital acreana. 

Em entrevista, Carvalho destaca que “Noites Alienígenas” trata de “um Brasil bélico, de um Brasil que se arma, de um Brasil que cada vez mais se torna violento e violência de todos, em todos os sentidos. A violência contra a juventude. E a violência contra indígenas”. 

Mas enquanto discurso fílmico, certa ingenuidade torna por vezes a intenção um tanto rasa, tendendo cenas um pouco desconexas e panfletárias como as disputas de rima – o que seria até um gancho interessante para, por exemplo, desenhar um sonho que Riva almejasse e o fizesse largar o tráfico. Mas, mesmo com certas incompletudes, o resultado em “Noites Alienígenas” é satisfatório, dá conta de uma visão e uma cosmovisão irrefutáveis sobre a Amazônia urbana e faz isso de maneira coerentemente cinematográfica, sem se fechar em regionalismos.