Este O Enfermeiro da Noite, produção Netflix que não deixa de aproveitar a onda dos filmes e documentários true crime, é um caso peculiar. Não é um longa ruim, mas também não tem nada de incrível ao seu respeito. É baseado em uma história real arrepiante, mas contada na tela de um modo muito contido, sem intensidade. O resultado é uma produção morna, que parece até um pouco envergonhada de pular de cabeça na onda do momento. É um filme sério sobre um assunto sério, pena que os cineastas por trás dele deram uma de mau enfermeiro e se esqueceram de checar se a obra tinha sinais vitais.

No filme, Jessica Chastain vive Amy, uma enfermeira caridosa e mãe solteira que descobre ter um problema cardíaco. Sua ajuda nesse momento difícil é Charlie, interpretado por Eddie Redmayne. Ele é o rapaz novato no hospital que divide com ela o turno da noite. Tudo parece bem, até que uma morte misteriosa acontece no hospital, e ela atrai uma sindicância interna e uma investigação policial. O que Amy acaba descobrindo é algo mais terrível do que poderia supor a princípio.

ATMOSFERA GLACIAL

O Enfermeiro da Noite coloca as cartas na mesa desde o seu início, quando o diretor Tobias Lindholm encena o plano de abertura do filme com a câmera aos poucos se aproximando de Charlie, enquanto médicos em uma sala de UTI se esforçam para reanimar um paciente. Se era para ter suspense no filme, a chance já se perdeu aí. De fato, o dinamarquês Lindholm – co-roteirista de sucessos do amigo Thomas Vinterberg como A Caça (2012) e Druk: Mais Uma Rodada (2020) e diretor de Guerra (2015), indicado ao Oscar de Filme Internacional – dirige tudo com sua sensibilidade europeia. O Enfermeiro da Noite nem parece um filme americano, com seu ritmo dosado e ênfase nos personagens e seu drama.

Que fique claro: Isso não é inerentemente ruim. Percebe-se que o diretor e equipe quiseram fugir de propósito dos clichês e elementos tradicionais de filmes de suspense. Mas não há um meio termo entre o clichê e a inércia? A sensação é de que falta um pouco mais de sal, de tempero em O Enfermeiro da Noite: É um thriller sem suspense, um filme que até envolve o espectador a princípio, mas com o tempo a atmosfera glacial da obra cobra seu preço.

CONFUSÃO ENTRE LENTIDÃO E SERIEDADE

Neste sentido, as atuações de Chastain e Redmayne ajudam bastante o filme. São dois atores que já mostraram desempenhos mais chamativos em suas carreiras, mas que aqui fazem bom uso do comedimento. Ela ressalta a humanidade da sua personagem e desperta a empatia do espectador facilmente: Chastain carrega o filme. E ele, embora tenha um ou outro momento de exagero perto do desfecho, consegue fazer do seu Charlie uma figura ora simpática, ora sinistra, e o ator administra bem essas viradas do personagem.

Pena que, com um roteiro um pouco melhor, essas atuações poderiam ser ainda mais marcantes. Apesar de toda a seriedade, o roteiro de O Enfermeiro da Noite é bem superficial. Amy é definida de modo muito amplo – basicamente, é uma pessoa legal e não muito além disso. O Charlie não é definido, nem explicado, nem nada. Não que precisasse, mas quando o filme se encerra com uma frase sobre ele e percebe-se que nada foi acrescentado ao personagem, a sensação é de incompletude. Também nunca fica clara a razão para a conduta do hospital, nem como Charlie conseguiu cometer seus atos por tanto tempo. É praticamente inevitável fazer uma consulta na Wikipedia depois da sessão, porque o filme não se aprofunda nos temas e acontecimentos reais com que trabalha dentro da sua narrativa.

De fato, com duas horas de duração, com o transcorrer da narrativa O Enfermeiro da Noite começa a parecer até um seriado da Netflix: muito tempo para pouca história. É uma pena que hoje em dia cineastas – e até parte do público também, suspeito – confundam ritmo lento e seriedade com qualidade. “Sério” não quer dizer necessariamente “profundo”. Há um filme realmente interessante aí, pois a história tem força e os dois atores principais têm competência suficiente para criar uma experiência marcante.

Porém, do jeito que está O Enfermeiro da Noite não é ruim, mas também não fica na memória por muito tempo. Talvez, quando a Netflix lançar a minissérie documental sobre o caso Charles Cullen daqui a alguns anos, ela suplante o filme na cabeça das pessoas. Porque, afinal, o filme de Lindholm parece ser tão respeitoso, tão cuidadoso com sua história, que não se esforça para cavar um lugar na mente do espectador.