“Peter von Kant”, exibido no Festival de Londres, é um diálogo entre grandes diretores queer de diferentes gerações. O longa, que estreou na Berlinale deste ano, é o segundo do cineasta francês François Ozon baseado na obra do artista alemão Rainer Werner Fassbinder. Apesar de divertida e impecavelmente realizada, a produção não consegue sair da sombra de seu material base e deixa a desejar. 
 
O personagem-título (Denis Ménochet, de “Bastardos Inglórios“) é um diretor de sucesso que, nos intervalos entre projetos, se embebeda, entretém convidados e remói fracassos amorosos. Quando ele encontra o jovem Amin (Khalil Ben Gharbia), ele promete torná-lo um ator e inicia uma tórrida relação com ele. O tempo passa, máscaras caem e Peter entra em uma espiral de desespero. 
 
A trama adapta a história contada no clássico filme “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant”. Em sua versão, Ozon altera o elenco exclusivamente feminino do original, transformando três de suas personagens em homens. Ele também faz de Peter, ao invés de um estilista, um cineasta que serve como uma versão ficcionalizada do próprio Fassbinder. 

IRREVERÊNCIA TRAGICÔMICA 

 
Essas decisões artísticas produzem dois efeitos claros. O primeiro é a boa dose de metatextualidade em tornar o protagonista um fac-símile do diretor alemão. Sobram referências cinéfilas, como os pôsteres de seus filmes no seu apartamento, e históricas, como seu caso com Amin, que inclui elementos de seu tempestuoso affair com o ator El Hedi ben Salem. Isso faz do longa uma excelente sessão dupla com “Enfant Terrible”, a cinebiografia de Fassbinder lançada em 2020. 
 
O segundo é que, ao centrar sua história em homens, o conto claustrofóbico de codependência emocional ganha um tom mais abertamente camp e sexual. Essas personagens estão presas não só de suas necessidades afetivas insaciáveis, mas também de seu tesão. Porém, o sexo entre elas é transacional – algo que funciona como a moeda de troca em seu meio tacanho. 
 
Apesar da temática pesada, Ozon traz sua verve irreverente para a produção e a transforma numa tragicomédia. Reduzindo o teor melodramático do original, seu Peter é frágil, empático e, mesmo em seus momentos de maior crueldade, digno de pena. Menochet, famoso por interpretar tipos sisudos, claramente se diverte na performance extravagante de um mimado crianção. Além dele, Stéfan Crépon, como o assistente Karl, é uma revelação cômica mesmo sem uma única fala. 
 
Para além dessas releituras, no entanto, a produção se mantém largamente fiel à original de Fassbinder e não elabora elementos novos o suficiente para se justificar. A pergunta que fica no ar é: para que exatamente recontar esta história agora? Para o espectador que só espera um bom passatempo, Ozon entrega o combinado. Mas considerando seu currículo, “Peter von Kant” é claramente um filme menor do cineasta francês.