A deficiência auditiva foi retratada nos cinemas com diferentes abordagens, mas, quase sempre a partir de uma situação já estabelecida. Em “O Milagre de Anne Sullivan” (1962), por exemplo, a professora interpretada pela vencedora do Oscar, Anne Bancroft, precisa ensinar uma garota surda, muda e cega (Helen Keller) a encontrar formas de se comunicar com a família. Já em “Filhos do Silêncio” (1986), o professor vivido por William Hurt se apaixona pela enigmática jovem surda Sarah (Marlee Matlin, única atriz deficiente auditiva a vencer o prêmio da Academia).
Agora, como seria o processo de uma pessoa perder a audição de uma hora para outra? Quais os traumas e as mudanças na vida da pessoa? Este é o ponto de partida de “O Som do Silêncio”, drama sobre o baterista Ruben (Riz Ahmed). Ao notar a piora a cada dia da deficiência auditiva, ele vê o futuro incerto ao lado de Lou (Olivia Cooke), namorada e vocalista/guitarrista da banda. Acaba que o rapaz decide ir para um local capaz de ajudar pessoas na mesma situação que ele comandado por Joe (Paul Rici), porém, as angústias continuam o perturbando.
“O Som do Silêncio” parte de definições muito claras em sua estrutura ao basear o roteiro nas cinco fases do luto elaborada pela psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross: negação, raiva, negociação/barganha, depressão e aceitação. Isso dentro da clássica narrativa de um novato se inserindo em uma realidade desconhecida. Diante disso, a história criada pelo diretor estreante em longas-metragens de ficção, Darius Marder, em parceria com o irmão, Abraham, passa longe de surpreender sendo até bastante previsível sobre os rumos do relacionamento entre Ruben e Lou e as decisões intempestivas tomadas pelo baterista.
ANGÚSTIA E EMPATIA
Cabe a Riz Ahmed e ao desenho de som serem os pontos fora da curva do filme, primordiais para a imersão do espectador na história. Conhecido pela minissérie “The Night of”, o ator encontra, finalmente, um trabalho capaz de aproveitar todo o seu talento nos cinemas. Da fúria carregada de extrema concentração ao tocar a bateria na sequência inicial de “O Som do Silêncio” não demora para os olhos de aflição dominarem a tela em uma jornada de inquietude constante e solitária quebrada apenas pela empatia acolhedora de Joe (Paul Ruci, excepcional). Estreante em longas-metragens de ficção, o diretor Darius Marder é habilidoso suficiente para explorar esta jornada aflitiva ao adotar um estilo próximo ao usado por Darren Aronofsky em “O Lutador” e “Cisne Negro” com a câmera bem próximo a Ahmed quase sufocando-o.
Já o desenho de som realiza a difícil missão de transpor para a tela as razões do desespero de Ruben. Aqui, a tampa do tempero batendo no balcão da cozinha, as pequenas gotas caindo na cafeteira, a respiração ofegante após um exercício físico e o som distante de uma música no estacionamento de uma loja de discos são sons repletos de significados além do que eles próprios emitem, pois, ecoam como alertas daquilo que será perdido nos próximos minutos. Quando gradualmente somos inseridos na nova realidade do baterista, ouvindo o pouco que ele ouve, quase incapaz de distinguir os sons e as palavras ditas por qualquer interlocutor e por si próprio, “O Som do Silêncio” consegue criar uma empatia instantânea com o drama do personagem.
Com tal recurso, além da engenhosidade por si própria e o aspecto sensorial, Marder parece perceber que, para uma sociedade tão egocêntrica e incapaz de observar o outro, somente dando ao público a vivência de Ruben da forma mais impactante possível fosse capaz de nos sensibilizar. Dentro desta triste realidade, nada mais natural do que o personagem de Riz Ahmed se sentir defeituoso, como se fosse algo necessário de um conserto para que pudesse voltar a viver plenamente.
Igual ensina Joe, “O Som do Silêncio” demonstra que não há nada a ser consertado ou ajustado; por mais aflitivo e desesperador que seja, há vida para seguir adiante e empatia para abraçar o próximo.