Cercado de expectativas pelos fãs do cinema de animação e do cinema brasileiro, o novo filme de Alê Abreu (de “O Menino e o Mundo”) chegou entre nós após estrear no restituído festival de Annecy. “Perlimps” é uma fábula sobre a preservação da vida, lindamente animada e com uma mensagem que reverbera especialmente nos corações tão pesarosos após quatro anos de um governo semi fascista. 

As crianças-bicho Claé e Bruô, dublados pelos talentosos Giulia Benite e Lorenzo Tarantelli, são espiões de reinos rivais e tem que unir forças para localizar os Perlimps, seres mágicos que podem ajudar a salvar o mundo. Ao longo de pouco mais de uma 1h20, a jornada dos pequenos heróis é atravessada pela dureza da realidade que contrasta visualmente com a exuberância da natureza: eles são perseguidos por militares com veículos e armamentos acinzentados, que querem destruir a floresta para construir uma hidrelétrica e, de quebra, alimentar a indústria bélica. 

A animação em 2D deslumbra com o uso de tonalidades distintas para representar os dois lados de Claé e Bruô: uma raposa/lobo e um urso, que criam laços fraternos e lutam contra o suposto triunfo civilizatório, o grande vilão da trama. A medida em que “Perlimps” ganha em complexidade, quando a faceta mais selvagem de Claé é revelada e deixa Bruô em um impasse com os dois trilhando caminhos separados, a animação também se altera. Os coloridos fulgurantes dão lugar a tons menos contrastantes, mais pastéis e graves, quando a dupla chega até a terra dos gigantes destruidores. 

Guerra e Paz 

Não é leviana qualquer comparação com o período mais assombroso da Ditadura Militar no Brasil, a expansão de fronteiras, o avanço em especial na Amazônia e no Pantanal com a chacina de populações indígenas e tradicionais além do desmatamento e o assassinato da fauna e da flora. Alê ainda pode bem ter se inspirado no panorama atual brasileiro, com os bolsonaristas e o aparelhamento das Forças Armadas; a fronteira agrícola que não poupa vidas. 

Improvável não se emocionar com “Perlimps”: a metáfora ganha um impacto maior quando os pequenos agentes do infinito, os espíritos protetores da floresta, se transmutam. A criança com o capuz de raposa/lobo é o filho de um militar de alta patente, que comanda a operação de devastação da natureza para inundar e construir a reserva hidrelétrica. Em um polo oposto desse mundo, está a criança com rosto pintado, lembrando um urso panda, que está com a família de ciganos sendo rechaçados do seu território pelos militares. 

A trilha de O Grivo, por André Hosoi, cria uma atmosfera de encantamento que cai como uma luva e serve bem a narrativa metafórica, folclórica, mas nada infantil de “Perlimps”. Menos no estilo e mais tematicamente, o filme de Alê Abreu se aproxima de “Wolfwalkers”, produção do Cartoon Saloon que coloca em oposição magia, superstição, amadurecimento e o suposto progresso que quer sufocar a essência da natureza. 

Produzido por Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi – que também já foi premiado em Annecy pelo filme Uma História de Amor e Fúria – “Perlimps” é um libelo antiguerra, delicado, simples e que aponta ainda para a relevância técnica e artística que a animação brasileira hoje possui.