Trajada em um vestido rosa super justo, Jennifer Lawrence adentra em um pet shop como uma deusa na Terra indo em direção a um garoto de 18, 19 anos pronta para conquistá-lo. Em qualquer época do cinema, o rapaz não hesitaria e daria um jeito de levá-la para um quarto de motel de estrada e perder a virgindade – basta lembrar a turma de “Superbad”. Os tempos, entretanto, são outros e “Que Horas Eu Te Pego?” (título tosco para “No Hard Feelings”) joga com as inseguranças e transformações das expectativas nas relações entre homens e mulheres nos dias atuais. 

Dirigido pelo ucraniano Gene Stupnitsky (“Bons Meninos”), a comédia acompanha Maddie, uma mulher na casa dos 30 anos totalmente endividada prestes a perder a casa onde morava desde sempre com a mãe. Certo dia, ela encontra um anúncio com uma proposta inusitada: namorar com um adolescente completamente antissocial antes dele se mudar para a faculdade. Óbvio que a situação se desenrola de forma completamente não planejada para as duas partes. 

INVERSÃO DE PAPÉIS COM ALGO A MAIS 

Para além da simplória inversão dos papéis historicamente colocados para homens e mulheres dentro de um romance ou mesmo no sexo em algo no estilo “Se eu Fosse Você”, “Que Horas Eu Te Pego? se mostra mais interessado por trabalhar isso dentro dos conflitos geracionais colocados para os seus dois protagonistas. De um lado, Maddie é uma mulher livre, independente, sexualmente ativa e tentando levar a vida sem depender de homem algum. Já Percy (Andrew Barth Feldman) é o garoto incapaz de dar um passo sem antes avisar aos pais, sensível e à procura de um amor verdadeiro – somente não é um incel da vida porque “Coringa 2” será lançado em 2024. 

A partir disso, o roteiro do próprio Stupnitsky em parceria com John Phillips aproveita para jogar com estes contrastes. De um lado, há sequências absurdas como o spray de pimenta, o inacreditável porradão na praia e a briga na festa de Princeton, todas hilárias com um nonsense no melhor estilo dos irmãos Farrelly (“Debi & Lóide” e “Quem Vai Ficar com Mary?”) de antigamente – aliás, falta esta veia na reta final, a qual adota um tom para lá de convencional, diga-se. 

Já em outros momentos sobram momentos mais tocantes, especialmente, ao trabalhar as inseguranças de Percy e como ele vai ganhando confiança. Aqui, a comédia tece uma bem-vinda e clara crítica à superproteção paterna que leva a uma geração despreparada para lidar desde situações simplórias como se vestir para ir a um encontro à nítida incapacidade de enfrentar as próprias emoções. 

SIMPLESMENTE J.LAW 

Acima de tudo, “Que Horas Eu Te Pego?” pertence à Jennifer Lawrence. Antes de mais nada, meu Deus do céu, que mulher! Para quem é apegado em verossimilhança no cinema, certamente pode apontar um furo terrível do filme com Percy não cedendo às investidas de Maddie, afinal, a estrela consagrada em “Jogos Vorazes” nunca esteve tão bela (e olha que a concorrência é pesada, vide “Trapaça” e “Operação Red Sparrow”), logo, era impossível de acontecer.  

Também é necessário exaltar a coragem dela em aparecer em um nu frontal para uma cena que subverte a sensualidade esperada para um momento à la Terminator. Lawrence ainda demonstra toda a conhecida versatilidade ao se jogar sem medo na comédia, transitando do humor mais elegante até o físico e pastelão como ao subir a escada de patins. Fora a inteligência de saber rir de si mesma ao ridicularizar os rótulos de que uma mulher na faixa dos 30 anos está velha, como se faz questão de ressaltar em várias passagens do longa (as reações à chegada dela na festa dos adolescentes são impagáveis). 

Fazer isso em uma comédia despretensiosa como “Que Horas Eu Te Pego?”, uma produção que dificilmente estrelas do naipe dela topariam encarar, demonstram como Jennifer Lawrence é uma das melhores atrizes da atualidade no cinema americano. E capaz de fazer tudo e mais um pouco sem medo do erro.