Depois de ganhar fama mundial com seu melhor filme e abandonar publicamente a maior premiação de seu país natal, o que você faria? A diretora francesa Céline Sciamma voltou logo ao trabalho. Ela agora retorna com “Petite Maman”, menos de dois anos depois de seu último longa, o excelente “Retrato de uma Jovem em Chamas”. Exibido na mostra competitiva da Berlinale deste ano, o novo projeto encontra Sciamma trabalhando com um menor escopo, mas nem por isso desprovido de encantos.
Nelly (Joséphine Sanz) acabou de perder a avó e está ajudando a limpar a casa de infância de sua mãe Marion (Nina Meurisse). Seus pais, ela percebe, não parecem estar no melhor dos termos. Enquanto a família encaixota pertences, a menina explora a casa e os arredores, incluindo a casa na árvore que sua mãe construiu quando era criança. Um dia, ela encontra uma menina (Gabrielle Sanz), que também se chama Marion e se parece demais com uma versão mais nova de sua mãe.
De um ponto de vista de produção, “Petite Maman” é claramente um filme menor de Sciamma. Comparado com o épico “Retrato”, que tinha a escala e os adereços de um grande romance clássico, “Petite” se assemelha a um conto contemporâneo. Ele também marca a primeira vez que a cineasta volta seus olhos para protagonistas infantis desde o incrível “Tomboy“, de 2011.
Os roteiros da diretora possuem o raro talento de dramatizar situações internas e pessoais de forma direta e potente. Aqui, ela decide se focar no momento em que a infância acaba e que leva a criança a descobrir que há muito mais sobre o mundo do que aquilo que lhe é mostrado ou cujo acesso lhe é permitido.
Por mais que seja tentador criar uma história nos moldes de “a criança versus o mundo” para representar essa transição, a cineasta abre mão do maniqueísmo para trazer tons de cinzas para o mundo ainda preto-no-branco de Nelly. Seus pais parecem distantes e estão claramente envoltos em seus próprios problemas, mas amam sua filha. Eles aparecem como distraídos e ocupados, mas amorosos.
Em fragmentos de diálogos, o roteiro de “Petite Maman” desbrava pouco a pouco, como sua protagonista, grandes questões familiares. Observe como o pai de Nelly entrega o medo que sentia de seu próprio pai quando ele era criança em uma conversa, com a pequena começando a formar suas ideias sobre a diferença entre gerações.
A relação entre a menina e a mãe, por sua vez, é mais rica, sendo as interações de Nelly com as duas versões de sua figura materna – a criança e a adulta – que conduzem a narrativa. A obra do autor britânico Neil Gaiman – outro especialista em abordar o fim da inocência com altas doses de fantasia – vem à mente. Em sua simplicidade, “Petite Maman” é um filme adulto sobre infância e um retrato de uma menina tendo que crescer na busca de tentar entender sua mãe.