Um dos filmes mais charmosos exibidos no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary deste ano, “Roaring 20s”, segundo longa de Elisabeth Vogler, é uma viagem bem-humorada pelo coração de Paris em um dia de verão. A produção, que recebeu o prêmio de Melhor Fotografia no Festival de Tribeca deste ano, onde estreou, mistura a iconografia da Nouvelle Vague com o ritmo do cineasta americano Richard Linklater e é uma celebração das conexões urbanas.

Gravado em uma única tomada, “Roaring 20’s” acompanha pessoas que casualmente se encontram, conversam e tocam a vida uma da outra – tudo isso passando por locações célebres da capital francesa, começando no Louvre, acompanhando o Rio Sena, visitando a Praça da República e terminando no Parque de Buttes Chaumont, no norte da cidade.

Vogler (um pseudônimo retirado do filme “Persona”, de Ingmar Bergman) mencionou em uma entrevista à época do lançamento do filme em Tribeca que o objetivo do roteiro, escrito junto com os atores Joris Avodo, François Mark e Noémie Schmidt, era “achar um sentimento e uma forma de expressá-lo no momento”. Admitidamente, o filme é fascinado pela riqueza dos instantes avulsos do cotidiano em que as pessoas baixam sua guarda. 

FRAGMENTOS DE CONTOS

Sabiamente, a maravilhosa fotografia de “Roaring 20s”, também assinada por Vogler, não deixa o recurso da tomada única ficar no caminho das performances de seu elenco. Ele serve para ressaltar o imediatismo da ação e criar a sensação de que qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento – e funciona nesse sentido – mas, durante boa parte dos 85 minutos do filme, não chama a atenção para si mesmo.

Ao invés disso, o destaque está na capacidade dos atores, majoritariamente apresentados em duplas, em prender a atenção dos espectadores com pequenas historietas cujo contexto raramente é revelado. O que está no filme são apenas fragmentos de contos que poderiam ser maiores, como se a produção fosse uma grande colcha de retalhos narrativos. 

VIAGEM EXTASIANTE

Paris é uma cidade filmada à exaustão e celebrada como o berço do cinema. Vogler abraça essa herança em pequenos detalhes: o diálogo que abre o filme, por exemplo, envolve um personagem hipnotizando outro – um espelho para o que acontece com o público em uma sala de projeção.

Filmes como “Cléo de 5 às 7” de Agnès Varda e “Slacker” de Linklater são claras influências, mas a vontade de Vogler e seu coletivo de atores de falar sobre o estado confuso do agora, tocando em temas como crescimento, história da arte, racismo e sexualidade através de conversas comuns torna “Roaring 20’s” uma viagem extasiante. Como a noiva em fuga (Elsa Guedj) que sobe na garupa de um motoqueiro desconhecido (Guillaume Pottier) na metade do filme, o longa se lança ao desconhecido crente de que tudo possui potencial de descoberta. 

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