Em “Spencer”, Kristen Stewart se junta ao clube de atrizes – que inclui Naomi Watts (“Diana”) e Emma Corrin (“The Crown”) – que se lançaram ao desafio de retratar a Princesa Diana. A atriz traz uma energia caótica à personagem e a coloca no caminho de uma quase certa indicação ao Oscar no ano que vem. Porém, para além de sua performance, o novo filme do cineasta chileno Pablo Larraín diz muito pouco sobre a “princesa do povo”, falhando em dar maiores nuances à sua infelicidade e rebeldia.

A produção dramatiza as festividades natalinas da família real britânica de 1991, imaginando Diana enquanto pondera sobre sua posição e sobre a possibilidade de se separar do Príncipe Charles (Jack Farthing) – o que acabou acontecendo no ano seguinte. Durante três dias, a princesa se sente presa, delira e se coloca em rota de colisão com as tradições do mundo ao seu redor.  

SOLIDÃO NATALINA 


O roteiro de Steven Knight (“Senhores do Crime”, Locke) se concentra não em grandes eventos, mas no que acontece entre eles. Ao invés de acompanhar os jantares e missas da família real, o grosso de “Spencer” é composto de interações entre Diana e seus filhos e dela com o staff do castelo, bem como de sequências que se passam inteiramente em sua cabeça.

Esse foco reflete o argumento feito pela produção de que a princesa se sentia próxima do povo (apesar de ter nascido em berço aristocrático) e que essa era uma barreira intransponível entre ela e os membros da realeza. Tanto é que Charles e a Rainha Elizabeth II (Stella Gonet) quase entram mudos e saem calados: o primeiro lhe dirige a palavra em duas ocasiões e a segunda apenas em uma.

Comparado com o outro longa de Larraín construído em torno de uma mulher de relevância política – Jackie”, de 2016 – “Spencer” se diferencia por se colocar 100% dentro da perspectiva de sua protagonista. A diretora de fotografia Claire Mathon reforça isso abusando de close-ups e câmera na mão, e enquadrando o castelo e seus arredores como se fossem uma prisão. Juntos, eles retratam o Natal mais solitário do cinema recente.  

DRAMA ARRASTADO E ESTAGNADO 


A pedra no sapato do filme é o fracasso em explorar as nuances de Diana de maneira a criar tração dramática. Em muitos momentos, ela aparece como mulher mimada determinada a criar confusão. Em outros, a produção se delonga em delírios que, ainda que divertidos, apenas tiram o foco da trama principal.

A situação apresentada no início – princesa infeliz no casamento considera divórcio – não muda no decorrer dos 111 minutos de projeção, o que faz “Spencer” se arrastar. A decisão dos realizadores de criarem um clímax forçado no terceiro ato e um final feliz que destoa completamente em tom do resto do longa tampouco colaboram.

Nada disso tira o talento absurdo de Stewart ao incorporar Diana. Para além do sotaque e da linguagem corporal, sua interpretação é carregada com uma volatilidade magnética. Nas suas mãos, as cenas vão a extremos corajosos (observe, por exemplo, como ela reverte uma dinâmica de poder com uma criada com um pedido para lá de indiscreto). O ponto alto do filme é vê-la em ação.

Infelizmente, ela não consegue sozinha chacoalhar o manto soporífero do longa. Se a tragédia da Diana real foi sua incapacidade de lidar com a vida dupla exigida pela atenção pública, a tragédia de sua contraparte em “Spencer” é contar com uma das melhores atrizes de sua geração e não saber ao certo o que fazer com ela. 

CRÍTICA | ‘Deadpool & Wolverine’: filme careta fingindo ser ousado

Assistir “Deadpool & Wolverine” me fez lembrar da minha bisavó. Convivi com Dona Leontina, nascida no início do século XX antes mesmo do naufrágio do Titanic, até os meus 12, 13 anos. Minha brincadeira preferida com ela era soltar um sonoro palavrão do nada....

CRÍTICA | ‘O Sequestro do Papa’: monotonia domina história chocante da Igreja Católica

Marco Bellochio sempre foi um diretor de uma nota só. Isso não é necessariamente um problema, como Tom Jobim já nos ensinou. Pegue “O Monstro na Primeira Página”, de 1972, por exemplo: acusar o diretor de ser maniqueísta no seu modo de condenar as táticas...

CRÍTICA | ‘A Filha do Pescador’: a dura travessia pela reconexão dos afetos

Quanto vale o preço de um perdão, aceitação e redescoberta? Para Edgar De Luque Jácome bastam apenas 80 minutos. Estreando na direção, o colombiano submerge na relação entre pai e filha, preconceitos e destemperança em “A Filha do Pescador”. Totalmente ilhado no seu...

CRÍTICA | ‘Tudo em Família’: é ruim, mas, é bom

Adoro esse ofício de “crítico”, coloco em aspas porque me parece algo muito pomposo, quase elitista e não gosto de estar nesta posição. Encaro como um trabalho prazeroso, apesar das bombas que somos obrigados a ver e tentar elaborar algo que se aproveite. Em alguns...

CRÍTICA | ‘Megalópolis’: no cinema de Coppola, o fim é apenas um detalhe

Se ser artista é contrariar o tempo, quem melhor para falar sobre isso do que Francis Ford Coppola? É tentador não jogar a palavra “megalomaníaco” em um texto sobre "Megalópolis". Sim, é uma aliteração irresistível, mas que não arranha nem a superfície da reflexão de...

CRÍTICA | ‘Twisters’: senso de perigo cresce em sequência superior ao original

Quando, logo na primeira cena, um tornado começa a matar, um a um, a equipe de adolescentes metidos a cientistas comandada por Kate (Daisy Edgar-Jones) como um vilão de filme slasher, fica claro que estamos diante de algo diferente do “Twister” de 1996. Leia-se: um...

CRÍTICA | ‘In a Violent Nature’: tentativa (quase) boa de desconstrução do Slasher

O slasher é um dos subgêneros mais fáceis de se identificar dentro do cinema de terror. Caracterizado por um assassino geralmente mascarado que persegue e mata suas vítimas, frequentemente adolescentes ou jovens adultos, esses filmes seguem uma fórmula bem definida....

CRÍTICA | ‘MaXXXine’: mais estilo que substância

A atriz Mia Goth e o diretor Ti West estabeleceram uma daquelas parcerias especiais e incríveis do cinema quando fizeram X: A Marca da Morte (2021): o que era para ser um terror despretensioso que homenagearia o cinema slasher e também o seu primo mal visto, o pornô,...

CRÍTICA | ‘Salão de baile’: documentário enciclopédico sobre Ballroom transcende padrão pelo conteúdo

Documentários tradicionais e que se fazem de entrevistas alternadas com imagens de arquivo ou de preenchimento sobre o tema normalmente resultam em experiências repetitivas, monótonas e desinteressantes. Mas como a regra principal do cinema é: não tem regra. Salão de...

CRÍTICA | ‘Geração Ciborgue’ e a desconexão social de uma geração

Kai cria um implante externo na têmpora que permite, por vibrações e por uma conexão a sensores de órbita, “ouvir” cada raio cósmico e tempestade solar que atinge o planeta Terra. Ao seu lado, outros tem aparatos similares que permitem a conversão de cor em som. De...