Inevitável olhar para os dois últimos episódios da quarta temporada de “Stranger Things” e não mirar na duração: por que diabos um capítulo de 1h27 e outro de inacreditáveis 2h22? Nem sou daqueles que leva o tempo como fator decisivo para definir o que assistir (antes 3h30 de “O Irlandês” do que uma série ruim com oito episódios de 30 mins), mas, aqui, se torna um ponto fundamental para a dinâmica dos acontecimentos. 

Afinal, estamos falando de uma série baseada desde o início na simplicidade inspirada na própria fonte referencial dos anos 1980 – “A Hora do Pesadelo”, “Sexta-Feira 13”, “Goonies”. Diante disso, os irmãos Duffers sempre construíram uma história direto ao ponto. Eis que a missão de preencher tanto tempo sem ter necessariamente o que oferecer torna-se um desafio de resultados divisivos. 

O QUE FUNCIONA 

Igual ocorrera nos primeiros episódios liberados no início de junho, os irmãos Duffers adotam um ritmo de urgência incapaz de deixar o espectador dispersar. Em “Papai”, por exemplo, a fluidez como a história transita entre a URSS, a viagem de Mike & Cia, as descobertas de Eleven e a preparação da batalha em Hawkins mantém o público situado em todas as tramas, dando atenção a todos eles de forma uniforme sejam nos momentos de maior tensão ou de intimismo e até cômicos. 

De brinde, o público ganha cenas de ação dignas de um término de temporada que se propõe épico. A derrubada do helicóptero e a explosão em campo aberto no deserto dimensionam de uma vez por todas a grandeza de Eleven, servindo para simbolizar não apenas a retomada definitiva dos poderes e a única esperança da humanidade para confrontar Vecna, mas, também a liberdade para sempre do pai.  

Já no último episódio, o solo de guitarra de Eddie com “Master of Puppets”, do Metallica, abre um sorriso no rosto de qualquer um, afinal, é o recado dos Duffers de que, ainda que todo o drama, tensão e o grau épico estejam ali, “Stranger Things” é antes de mais nada uma diversão nerd nada séria. 

Ainda assim, a série continua sendo do seu elenco, primoroso e escalado à perfeição por Carmen Cuba. Estamos ali por conta dos personagens e da forma como se relacionam – até porque sabemos muito bem como tudo irá acabar. Logo, podem cair 10 helicópteros, aparecer um vilão ainda maior que Vecna ou o mundo invertido engolir o planeta inteiro – o que interessa é a maneira como tudo isso irá afetar aquelas figuras queridas.  

Não à toa sentimos tanto o choro sufocado de Will ao se declarar indiretamente a Mike, observado atentamente pelo irmão mais velho Jonathan – a consequência disso, aliás, gera uma bonita cena entre os personagens de Noah Schnapp e Charlie Heaton mais adiante.

Nada, porém, ilustra a essência de “Stranger Things” como a relação entre Eddie e Dustin marcada aqui pelo olhar afetuoso do roqueiro para o nerd durante a preparação para a batalha. A admiração de um pelo outro, de melhores amigos conectados pela mais profunda amizade, define o espírito da série. Ali, estava selado o destino de um dos melhores personagens do programa, defendido de forma fantástica por Joseph Quinn. 

O QUE PREJUDICA 

Não há ritmo acelerado, cenas de ação bem-feitas ou carinho suficiente para com os personagens que esconda as imensas ‘barrigas’ da atual temporada de “Stranger Things”. Isso fica cristalino com o núcleo na União Soviética.  

Quando Joyce chegou para resgatar Hopper após uma aventura forçada para atravessar o planeta, imaginava-se os dois voltando a Hawkins para liderar os jovens na luta contra Vecna. Infelizmente, os dois ficaram pela Europa mesmo e lá tivemos que ver mais do piloto esperto, do amigo da prisão sem graça e de um romance já definido.  

A situação piora mesmo quando no último episódio retornam à prisão que tanto lutaram para fugir a temporada inteira, obrigando-nos a aguentar mais cenas de ação para lá de previsíveis. Pedágio imenso para ver o xerife finalmente reencontrar Eleven. 

Falando da nossa heroína, graças a Deus ela se livrou de uma vez por todas do laboratório e do pai defendido muito bem por Matthew Modine. Menos pela emancipação definitiva dela ou por ser a chance de nos salvar o mundo de Vecna, mas, sim, pelo simples fato de nos livrar dos mesmos flashbacks de sempre (pelo menos, é o que se espera).  

Desde a revelação da origem do grande vilão, ficou claro como tudo ali se esgotara, mas, os Duffers ainda insistem na primeira parte de “Papai” com um pretenso mistério já cansativo sobre o pai e a origem da personagem de Millie Bobby Brown. 

Por fim, a tão elogiada montagem capaz de dar dinamismo a episódios tão longos não tira a nota 10. A estratégia antiga usada em tantas séries de televisão em trocar o foco dos núcleos sempre que uma ação chega ao ápice para manter o espectador preso, aqui, acaba por diluir momentos de tensão. Em “E o Plano de Eleven”, a quarta fase do plano com Steve, Nancy e Robin fica em segundo plano, a luta de Lucas versus Jason não termina, enquanto o sacrifício de Eddie na luta contra os morcegos merecia um pouco mais de espaço. 

RESUMO DA ÓPERA 

Entre mortos e feridos, a quarta temporada de “Strangers Things” destaca aquilo que tem melhor – o ótimo elenco e a força deles juntos – e demonstra a habilidade dos irmãos Duffers na condução de grandes cenas de ação e terror, sendo uma diversão agradável ainda que longa demais em certos momentos.